sábado, 8 de dezembro de 2012

SAUDADES DE NÓS PRÓPRIOS



Este Verão encontrei por mero acaso um casal amigo que estavam acompanhados por um outro casal , este de Santarém.
Estes amigos contaram-me que raramente vinham para estes lados e que mesmo na sua juventude eram mais frequentadores da Nazaré ou de Peniche que das Caldas ou da Foz.
Disseram-me que consideravam agora as Caldas uma cidade muito morta, sem movimento nocturno, sem algo que juntasse as pessoas nas ruas à noite.
Na realidade até se queixaram de ser difícil de encontrar no centro um café aberto após as 20h00, isto numa cidade veraneia!
Os meus amigos apressaram-se a explicar que nem sempre fora assim. Que as Caldas era antigamente conhecida pelo seu intenso movimento nocturno e que as pessoas, mesmo sem telemóveis para marcar encontros, ao sair de casa tinham a certeza de ir encontrar todos os seus amigos em locais habituais em diferentes pontos da cidade, fossem cafés, esquinas, praças e largos. 
- Antigamente é que era! – rematou o meu amigo com melancolia.
Antigamente é que era! Cada vez que morre alguém, um amigo ou um conhecido, que nos faz recordar esses tempos vemos um tempo que já lá vai partir definitivamente. Vemos pessoas que nos alegravam o espírito e traziam cor e musicalidade nas palavras às ruas, partirem!
Se antigamente é que era temos então que aceitar que o antigamente que era fantástico desaparece definitivamente com a partida dessas pessoas? Com a partida dos que animavam a praça da fruta, a praça do peixe, a rua das montras, o burlão, o largo do bairro da ponte…?
De que temos saudades então? Não estão aí praticamente os mesmos prédios, as mesmas ruas, os mesmos largos e praças?
Não é verdade que até estabelecimentos como a Zaira e tantos outros ainda há pouco tentaram ser recuperados, reanimados, reavivados e nós não correspondemos?
Não! Não é dos lugares que temos saudades pois eles mantém-se! Não é dos cafés que temos saudades pois eles acabaram pela nossa ausência!
Do que temos verdadeiramente saudades é de nós próprios. Do que fomos, do que fazíamos!
Não era preciso um concerto ao ar livre para sairmos de casa em direcção à Praça. Não era preciso a Câmara ou um clube recreativo promover uma acção de rua para sairmos de casa!
É certo que se cometeram erros gravíssimos contra a promoção e animação da cidade como a retirada das feiras do parque (basta ter ido no Verão ao Bombarral à Feira do Vinho ou a Évora à Feira de S. Pedro e assistir à animação das veredas dos seus parques e a alegria do reencontro anual de amigos para ver que a centelha iluminada que passou pela nossa cidade já estava felizmente fundida quando rondou outras cidades!)
Mas esses momentos não eram permanentes e todavia a nossa cidade permanecia animada por todos os dias e noites independentemente da estação do ano.
Culpemos então os 100 canais da Tv Cabo, os Dvds, os blogues e o Facebook, culpemos o aquecimento central e o ar condicionado. Culpemos todas as desculpas e razões que encontremos para não sair à noite como o fazíamos no passado. Mas no fim tenhamos a sensatez de admitir que os únicos culpados da falta de movimento nocturno da cidade, da animação das nossas ruas, do fecho definitivo ou demasiado cedo dos nosso cafés é exclusivamente nossa.
Não saímos à noite porque sabemos que não nos vamos encontrar! Porque eu sei que não vos vou encontrar e vocês sabem que não me vão encontrar, nem a mim, nem a todos os outros!
Na verdade, do que temos saudades não é do antigamente, não é dos cafés, das ruas e das praças.
Do que temos saudades é de nós próprios! Da nossa vontade de nos encontrarmos, de estarmos com os outros de forma física, táctil, sonora, afectiva e não de uma qualquer maneira virtual! De nos cumprimentarmos, de nos beijarmo-nos, de nos abraçarmo-nos!
Do que temos saudades, meus amigos, era da forma solidária, comunitária, sociável como nós éramos!
Fomos nós, somos nós, que demos cabo de tudo aquilo que agora nostalgicamente recordamos!
E não precisava de ser assim. Eu visito e visitei dezenas de cidades por esse mundo fora, cidades de província de dezenas de países, e em todas elas as esplanadas continuam cheias, seja Verão seja Inverno. E nesses países também há Tv Cabo, dvds, Internet. Também há temperaturas acima dos quarenta e temperaturas abaixo de zero. E de Hamburgo a Copenhaga, de Valência a Vicenza, de Avinhão a Aberdeen as ruas à noite estão cheias e as esplanadas preenchidas de gentes de todas as idades que procuram aquilo que em casa não podem ter, que nenhuma tecnologia lhes pode trazer. Confraternizar!




sábado, 20 de agosto de 2011

AMIGOS QUE NÃO CONHECEMOS



Esta semana morreu-me um amigo que não conhecia.

Por vezes acontece-me isto. Morrem-me pessoas que me são queridas e que contudo eu não conheço pessoalmente mas sei quem são, onde vivem, com quem se dão. Que sei tudo acerca deles, o que fizeram na vida.

Pessoas que à boa maneira da minha cidade eu cumprimentaria se o encontrasse fora dela, com um aperto de mãos até, se fosse no estrangeiro, mas que nem sequer um sorriso ou um olhar nos olhos daria se nos cruzássemos nas ruas.

Sei que o contrário seria também verdadeiro. Que ele me cumprimentaria fora do nosso contexto habitual e que sentiria a minha morte como se de um amigo se tratasse.

O Rui era uns bons anos mais velho do que eu mas apesar da diferença de idades  frequentámos em simultâneo  o Externato Ramalho Ortigão  durante quatro anos.

Depois, a proximidade das residências, os locais de convívio comuns, o Casino, os courts de ténis, a Zaira, a Foz, o Ferro Velho e a Azenha e todas as outras dezenas de locais, a relação de cordialidade e amizade entre as famílias, a minha amizade com os irmãos e irmãs mais novos dos seus maiores amigos, tudo contribuiu para que nos víssemos com frequência durante longos anos.

A existência do Rui paralela à minha própria tornou-o uma figura sempre presente nas várias etapas da minha vida e na realidade o que recordo com carinho nestes amigos que me morrem ou que ainda se mantém à distância da minha vida são os seus rostos, os seus sorrisos, as suas falas largas e altas acompanhadas de graças e gargalhadas que marcaram muitos dos meus momentos.

Eles datam-me e são como marcos fundamentais da minha existência. À distância foram testemunhos do meu crescimento e podem afiançar por mim. Eles podem dizer que eu existo ou que eu existi durante tantos anos.

A sua presença, como a do Rui, pode apenas fazer-se sentir a espaços, por vezes com intervalos de anos, mas estão por cá e eu sei que posso contar com o reencontro mais tarde ou mais cedo. Ambos sabemos quem é o outro e podemos falar dele com amizade perante terceiros. Poderão nos apresentar, nos avalizar, e nos recomendar sem nunca ter tido contacto directo nem nunca necessitando de o ter.

Basta estarmos.

O Rui morreu e com ele desaparece uma parte da minha vida, pois esta é feita de pessoas, locais, eventos que nos formam as boas recordações, nos trazem felicidade nas memórias e nos aconchegam para o futuro pois sabemos que não estamos sós. E que mesmo estes amigos que não conhecemos estarão para nós se a eles apelarmos.

Eu não conheci o Rui e no entanto durante mais de quarenta anos ele fez parte da minha vida. Agora sinto tanto a falta dele como se um amigo pessoal se tratasse. Custa-me pensar que não o verei mais, que não verei o seu rosto anguloso, a barba de loura de três dias, os olhos claros e demasiado juntos e o seu sorriso permanente.

Quando li uma vez umas histórias engraçadas da sua juventude contadas por um amigo comum, ri-me e pensei que aquilo era mesmo típico do Rui. Não o conhecia pessoalmente mas já o conhecia tão bem! Se me contassem algo a seu respeito eu sorriria a confirmar que era mesmo do Rui ou me surpreenderia por não ser nada o seu género. E no entanto eu não o conhecia pessoalmente.

Eu vou sempre sentir a sua falta. É uma parte de mim, um testemunho que poderei dar e um testemunho de mim que alguém poderia dar que se perde. Um dia desapareceremos todos. O Rui, eu e os amigos comuns, os que nos conheciam pessoalmente e os que eram nossos amigos sem nos conhecer. E nessa altura então, desapareceremos. Morreremos de vez, pois não haverá ninguém que nos recorde e a nossa existência será ignorada como se nunca tivesse existido. E ninguém saberá como marcámos os outros, como o Rui nos marcou.

Escrevo para que outros o leiam, para que saibam.

Que saibam que o Rui tinha amigos que não conhecia. E que a amizade conhece várias formas, uma delas pode ser através de um escrito arrancado a lágrimas, de saudade, de omissão.

Estranho esta nossa forma de ser. Podemos estar anos sem ver alguém de que sabemos onde vive, o que faz, mas apenas quando nos apercebemos da possibilidade de nunca mais o ver, por ter partido para paragens distantes ou partido para lugares de onde o retorno é muito incerto sentimos então saudades. Eu estava anos sem ver o Rui e apenas constatava o facto, agora o Rui partiu há poucos dias e eu já sinto saudades.

Adeus Rui, os amigos manterão a chama acesa.


Fotos retiradas do blog do Antigos Alunos do Externato Ramalho Ortigão

segunda-feira, 25 de julho de 2011

UMA RECORDAÇÃO DO PASSADO


Uma recordação enviada pela Paula Bispo
foto do album da Paula Almeida (Paqui)

 
Começando de trás para a frente e da esquerda para a direita: primeira fila de trás: Carlos Luis, Tony, Zé Rocha, Orlanda Ferreira, Anita (da Áurea), sem identificação, João Gancho, Paula Barreto, Joca (meio rosto) e Barradas; segunda fila: Leonor Raposo, Lena Magalhães, Cristina Romão, Paula Almeida (Paqui), Elsa Bispo, Rita Bonacho, Jú, Rafael Chust (Brazuca), Paulo Caiado; terceira fila: Pedro Gonçalves?, Zairinha; quarta fila: Mário Jorge Horta, Kika Gancho, Pedro Furriel, Cristina Falcão, Cláudia Gouveia, Lúcia, Gamela; quinta fila: Ricardo Ramos. Teresa Lamy, Ana Margarida Arroz, Blica Crespo, Rui Pedro.

sábado, 12 de março de 2011

FIM DE TEMPORADA




E pronto! Algum dia tinha que chegar ao fim.

Ao longo de cerca de 70 crónicas recordei pessoas, locais e eventos que fizeram parte da minha vida e da vida da cidade.

Evoquei a memória de amigos queridos e de personalidades marcantes. E homenageei em vida amigos e pessoas que se destacam na nossa sociedade civil.

Não deixei para depois, para um dia de velório, citando Fernando Pessoa, o recordar as situações que tive com os meus amigos e o dizer o quanto gosto deles e a falta que um dia me farão.

De O JARDIM ESCOLA de 1967 a O FIM DA ADOLESCÊNCIA de 1986, decorreram quase 20 anos da minha infância e da minha adolescência que foi percorrida na companhia de amigos queridos e foi vivida com intensidade através dos eventos que aqui relatei.

Se eu vivi mais situações estrombólicas que os outros? Se eu presenciei eventos mais caricatos que os outros? Se eu tenho uma maior relação afectiva com os amigos que os outros?

Certamente que não. Apenas tenha talvez uma maior facilidade de expressão escrita e uma forma de estar mais extrovertida que me permite transcrever tantos factos da minha vida sem reservas.

Estou certo que todos os meus amigos nutrem por mim a mesma afeição, com a mesma intensidade! Estão é a guardar-se para o meu velório! Lol!

Afinal de agora em diante sempre que eu quiser recordar algo divertido que se passou com alguém sempre me irão dizer:

- Já sei! Já contaste isso numa crónica, lembras-te!?

É por isso que não posso contar tudo! Tenho que guardar algo para os serões de amigos. Talvez aquelas situações mais picantes, aquelas que por decoro e por respeito pela privacidade alheia não contei aqui! :)

Espero sinceramente que se tenham divertido tanto a lê-las como eu a escrevê-las e que sobretudo tenham gostado de relembrar tantas pessoas e factos que poderiam estar esquecidos.

Para os que não são da minha geração ou não frequentaram as Caldas nessas décadas aqui fica também um testemunho de uma época.

Mas eu não posso terminar sem enfatizar o facto de que o que me levou a escrever estas crónicas foi o poder com elas trazer os amigos a este espaço (do Facebook) e poder estreitar a distância física e temporal entre todos nós. Situação que teve o seu culminar na Festa que realizámos em 4 de Setembro passado e que porventura possamos repetir este ano, se assim o quiserem!

Este espaço continuará aberto às recordações de todos e continuará como veículo divulgador de acções sociais e culturais da nossa terra. Disponham dele!

Tal como no final da primeira temporada deixo aqui uma mensagem que me é cara:

Para os meus filhos
Para saberem como foi
Para saberem como fui


Até sempre!


Paulo Caiado


Nota: Isto não é necessariamente o fim. O ''Eu'' do titulo do blog não tem de ser necessariamente eu. Já no passado outros amigos recordaram, eles também, momentos da sua juventude. Este espaço continua aberto a todas essas memórias. Quem sabe se não se dará inicio a um terceira temporada de crónicas de que desfrutarei não na condição de narrador mas de leitor atento e entusiasmado? Os posts colocados no espaço do Facebook serão transferidos para aqui e se alguma recordação for contada no FB encontrará aqui o seu merecido lugar para que o ''Eu'' não seja eu mas todos nós.

domingo, 6 de março de 2011

UM GALÃ NA CASA DE BANHO




Imaginem que em vez de cinquenta e tal canais de televisão, só tinham à vossa disposição duas opções, um canal generalista e outro dedicado sobretudo a temas de índole cultural. Imaginem uma televisão a transmitir exclusivamente a preto e branco!

Imaginem um mundo sem séries a todos os dez minutos, talk-shows e concursos, noticiários de uma hora e meia.

Imaginem-se em serões sem canais por cabo, filmes comprados ou de aluguer, sem jogos de consolas nem internet, nem tão pouco computadores pessoais!

Esta era a realidade de Portugal nos finais dos anos 70! Os serões eram passados geralmente em família… e diante da televisão. As telenovelas brasileiras conheciam, por força da exclusividade da RTP e da falta de alternativas para quem queria ficar em casa, audiências na ordem dos 90%! Quando foram transmitidos os últimos episódios de ‘’Gabriela – Cravo e Canela’’ em Novembro de 1977, a Assembleia da República encerrou mais cedo os trabalhos e todo o país literalmente parou!

Imaginem a popularidade que desfrutavam entre nós as estrelas da TV Globo que diariamente nos visitavam em prime time!

Agora imaginem que um dia vêem a sair da vossa própria casa de banho um dos principais actores brasileiros de telenovela que daí a umas poucas horas apareceria de novo no pequeno ecrã diante de toda a família!

Pois foi isto mesmo que nos aconteceu num domingo de Carnaval no final dos anos 70 ou no inicio dos anos 80!

Carlos Eduardo Dolabella, estrela de ‘’Saramandaia’’ (exibida em Portugal em 1978), ‘’O Astro’’ (1978/79),‘’Pai Heroi’’ (1980), ‘’Água Viva’’ (1981)e ‘’O Bem Amado’’ (1981-84) e a sua mulher Pepita Rodriguez, protagonista de ‘’Dancin’ Days’’ (1979/80), constituíam um dos casais mais famosos da televisão brasileira e por via da retransmissão das telenovelas em Portugal também bastante populares no nosso país.


Nesse ano, que não consigo precisar, a organização do Carnaval das Caldas decide convidar como estrelas para figurarem como reis do carnaval e desfilarem no então muito popular corso caldense o referido casal de actores brasileiros.

O Carnaval das Caldas era um dos mais afamados e concorridos carnavais do país com uma enorme adesão popular quer aos inúmeros bailes que se realizavam nas diversas colectividades, quer nas manifestações espontâneas de rua, particularmente na Rua das Montras (lembram-se dos chapéus de feltro que voavam da cabeça dos seus utilizadores presos por uma mola por sua vez presa a um fio de nylon que passava por cima de um dos fios de electricidade?) e na Praça (ai de quem tivesse a infeliz ideia de a atravessar de carro!) e enfim por todas as ruas da cidade quando bandos de mascarados as percorriam em busca dos incautos que com eles se cruzavam ou visitando lugares públicos e ‘’assaltando’’ as casas dos amigos ainda antes de rumarem aos bailes mais frequentados!


Era o tempo de um corso fantástico, organizado por um grupo de entusiastas, onde sobressaía a figura omnipresente de Alberto Saramago que com a colectividade Corsolar (Júlio Amaro, Salvador Mil-Homens, Valdemar Cruz, Cristiano Cardote Duarte, José Manuel Barrosa dos Reis, José Domingos, entre outros) organizava este corso, e onde concorriam os carros alegóricos das colectividades, sobretudo dos Pimpões e ainda de algumas empresas da região. Ainda participei em alguns corsos em carros pertencentes a diferentes empresas.
Era também o tempo da folia nas ruas com centenas e centenas de metros de fitas de serpentinas, milhares de confeites pelo ar e pelo chão, bisnagas de água em punho e martelinho na mão!


Foi o tempo dos Gigantones e dos cabeçudos, das matrafonas e dos palhaços. Foi o tempo dos Zés Pereiras, das bombas e estalinhos, das rabias e das bombas de mau cheiro e estalinhos, das tiras de fulminantes de raspar na parede, dos pós de comichão e pós de espirrar que se compravam na Tália e foi também o tempo das estrelas internacionais demandarem ao nosso Carnaval.

Nesse ano Carlos Eduardo Dolabella e Pepita Rodriguez foram então os Reis do Carnaval das Caldas e por alguma razão, julgo que um grau de parentesco distante ou amigos em comum, utilizaram a casa dos meus vizinhos, os Amaro, para vestirem os trajes de Carnaval, ou melhor dizendo o manto e os adereços que utilizaram sobre as suas roupas. Os Amaro viviam e ainda vivem no mesmo andar dos meus pais, no Burlão, uns no segundo direito e os outros no segundo esquerdo.

A dada altura do desfile, já depois de terem feito por duas ou três vezes a volta obrigatória à avenida e ao Burlão, o Carlos Eduardo Dolabella, encharcado pelos balões de água que lhe iam atirando, coberto de confeites que se lhe colavam à pele e ao cabelo e completamente transpirado pelo calor provocado pelo manto real, decide ir a casa tomar um duche rápido e trocar de camisa.

Sabia qual o prédio e qual o andar e saltou do carro em andamento para fazer rapidamente o serviço!

Entrou disparado no prédio, tomou o elevador e ao sair deste enfiou pela porta que viu aberta diante de si. Como de costume, durante os corsos de Domingo e Terça-Feira Gorda a porta de minha casa permanecia aberta pois eu, as minhas irmãs e respectivos amigos não parávamos num entra e sai frenético para carregar bisnagas ou outros apetrechos. Como os meus pais e outras visitas permaneciam nas varandas a ver o corso não conseguiam ouvir a campainha da porta e a melhor solução era deixá-la aberta durante toda a tarde.

O pobre do Dolabella, provavelmente igualmente apertado nas suas necessidades fisiológicas, entra em casa e segue disparado até à casa de banho que fica mesmo no fundo do corredor. Nem se apercebeu que estava na casa errada!

Sem que ninguém se apercebesse tomou calmamente o seu duche, serviu-se das toalhas de reserva e dos produtos de higiene, voltou a vestir-se e sai da casa de banho com intenção de procurar uma camisa na mala que deixou no quarto (no andar do lado!). E assim temos um conhecido actor de telenovela a sair pela porta da casa de banho, em tronco nú, a esfregar o cabelo com uma toalha turca e a deparar-se com um grupo de nós que nem de propósito entramos em casa nessa precisa altura!


- Ôi! – Cumprimentou ele com a maior das calmas e com um enorme sorriso. – Tudo bom?

Fitamo-lo estarrecidos! Nem sabíamos se havíamos de rir tal era a nossa surpresa.

Como era óbvio ele nem se apercebera da situação e tomara-nos como amigos ou parentes dos donos da casa.

Finalmente, comecei a rir e perguntei-lhe como tinha ido ali parar! As minhas amigas olhavam-no com admiração e interesse. Nesse momento estavam mais interessadas em ser-lhe apresentadas!

Ele olhou-me com surpresa.

-Ué! - Abriu os braços com espanto e olhou a casa como se a visse pela primeira vez. – Aqui não é a casa de Seu Amaro?

Rimo-nos todos à gargalhada e expliquei-lhe que a casa do Sr. Amaro era ao lado. Por esta altura já toda a família e amigos tinham saído da varanda e vindo para o corredor.

Todos nos ríamos da situação mas o Carlos Eduardo levou as coisas na desportiva. Com o calor dos trópicos deveria estar mais do que habituado em andar em tronco nu diante de estranhos!

Expliquei-lhe a situação e conduzi-o a casa dos vizinhos.

No final do dia vieram os dois, O Carlos Eduardo e a Pepita pedir mais uma vez desculpa pelo acontecido e agradecer a nossa amabilidade. Eram extremamente simpáticos e sorridentes. Ainda voltariam mais tarde a Caldas para uma nova visita mas não os encontrei nessa altura.

Mas o episódio ficou-me sempre na memória bem como o seu encanto pessoal!



Carlos Eduardo Dolabella viria ainda a entrar em mais 16 novelas e mini-séries. Faleceu em Maio de 2003 por problemas cardíacos, tinha 65 anos.



Pepita Rodriguez só participaria em mais três novelas sendo a última ‘’Cristal’’ da SBT em 2006.




Texto Complementar à crónica ''Um Galã na Casa de Banho''



MORRE O ACTOR CARLOS EDUARDO DOLABELLA
Segunda, 26 de maio de 2003, 20h29

Dolabella: 35 anos de carreira
Foto: JB Online

Carlos Eduardo Dolabella (Carlos Eduardo Bouças Dolabella) morreu na noite desta segunda-feira no Rio de Janeiro, aos 65 anos. O ator será cremado nesta quarta-feira no Cemitério do Caju, pela manhã. O velório acontecerá no Cemitério São João Batista, na capela nº 1.

Dolabella sofria de diabetes e estava internado no Hospital Samaritano, na zona sul do Rio de Janeiro, havia 102 dias - desde 12 de fevereiro deste ano. O ator estava respirando com ajuda de aparelhos e estava em coma induzido.

Dolabella teve falência múltipla de órgãos e morreu às 19h20. Seu problema de saúde começou com uma insuficiência no miocárdio. Em 2002, ele foi submetido a duas cirurgias.

O último trabalho do ator carioca na TV Globo foi a minissérie A Muralha, em 2000. Um dos primeiros papéis de Dolabella na Globo foi na novela Selva de Pedra, de Janete Clair, no início da década de 70, sendo um dos maiores galãs da TV nas décadas de 70 e 80. Ele tinha 35 anos de carreira: na televisão fez 29 novelas, quatro minisséries e 13 Casos Especiais. Fora da telinha, Dolabella participou de 16 peças e 15 longa-metragens.

Ele também atuou em O Bem Amado, Força de um Desejo, Labirinto, Por amor, O campeão, Engraçadinha... seus amores, seus pecados, O Provedor, A Próxima Vítima, Irmãos Coragem, entre muitas outras.

O ator Dado Dolabella, filho de Carlos Eduardo com a atriz Pepita Rodrigues - que agora está gravando um CD, dedicou uma música de seu disco para o pai. A faixa chama-se Intuição e tem a participação de Tarcísio Meira, lendo um texto de Mário Lago. Além de Dado, Dolabella deixa mais um filho do casamento com Pepita.


Carlos Eduardo Dolabella nasceu no Rio de Janeiro e teve quatro filhos - Adriana e Fábio, de seu primeiro casamento e Fernando e o ator Dado Dolabella com a também atriz Pepita Rodrigues. Em 35 anos de carreira, atuou em 29 novelas, 4 minisséries, 13 casos especiais, 16 peças de teatro e 15 filmes. Dolabella se formou em relações públicas na Suíça na década de 1960. Falava cinco idiomas. Antes de se dedicar à carreira de ator, chegou a trabalhar em empresas do avô. Gostava muito de música e chegou a pensar em se tornar cantor.

A carreira de Dolabella decolou em 1963, quando ele recebeu o prêmio de melhor ator no Festival de Teatro Amador do Estado de Guanabara. A primeira novela veio no ano seguinte: "Coração", na TV Rio, com Sérgio Britto e Isabel Ribeiro. Entre seus personagens prediletos em novelas da Rede Globo, estavam o delegado Falcão, de "Irmãos Coragem" (primeira versão) e Neco Pedreira, de "O Bem-Amado" (1973) - diretor do jornal A Trombeta, ele voltaria a incomodar o prefeito de Sucupira, Odorico Paraguaçu, vivido por Paulo Gracindo, quando o enredo de Dias Gomes virou seriado, na década de 80.

Gostava também de lembrar do Marcito, de "O Espigão" (1976) e do açougueiro Natalício, de "O Astro" (1978). Em 1986, protagonizou com a ex-mulher Pepita o programa de jogos e sorteios Alô Pepa, Alô Dola!!!!

Com Pepita, fez ainda as peças: "Viva Sem Medo Suas Fantasias Sexuais" (1985) e "Extremos" (1986). Em 1997, trabalhou na novela "Por Amor", onde fez o papel de Arnaldo Mota, que, na trama, era marido da atriz Susana Vieira. Fez ainda a minissérie "Labirinto" (1998) e a novela "Força de um Desejo" (1999), ambas de Gilberto Braga.

Seu último trabalho na TV foi na novela da TV Globo "Porto dos Milagres" (2001). Em 2000, participou do seriado "A Muralha".

Saudade é um sentimento que dói e fere!!!! Como diria Renato Russo: "Até a próxima vez..."


PEPITA RODRIGUEZ

A atriz Josefa Suárez Rodríguez, conhecida como Pepita Rodriguez, nasceu em Málaga, Espanha, em 11 de setembro de 1951.

Em 1976, apresentou "Moacyr Tv", um programa de auditório na TV Globo ao lado de Moacyr Franco.

A estréia de Pepita Rodriguez em novelas deu-se em 1969, na produção "Um Gosto Amargo de Festa", de Cláudio Cavalcanti, para a TV Tupi.

Trabalhou em seguida em "João Juca Jr.", "Editora Mayo, Bom Dia", "Na Idade do Lobo", "A Volta de Beto Rockfeller", "Divinas & Maravilhosas", "Anjo Mau", "Espelho Mágico", "Dancin' Days" e "O Amor É Nosso".

Pepita Rodriguez ficou 23 anos afastada das novelas até que integrou, em 2005, o elenco de "A Lua me Disse", de Miguel Falabella e Maria Carmem Barbosa.

A ausência do vídeo fez Pepita descobrir outros caminhos. Ela fez teatro e lançou dois livros: "Tempo de Colher" e "Segundo Tempo", ambos sobre sua vida. Também começou a pintar e comercializar azeite, vinho e salmão.

Em 2006, Pepita Rodriguez assinou contrato com o SBT para atuar na novela "Cristal", ao lado do filho Dado.

No cinema trabalhou em:

1974 - Portugal... Minha Saudade
1973 - Uma Negra Chamada Tereza
1971 - Um Certo Capitão Rodrigo - Helga
1968 - Edu, Coração de Ouro
1968 - As Três Mulheres de Casanova
1967 - Rifa-se Uma Mulher – Marta

Pepita Rodriguez tem três filhos: Giba Di Pierro, do casamento com o jornalista Gilberto Di Pierro; e Dado e Fernando Dolabella, de seu casamento com o ator Carlos Eduardo Dolabella (1937-2003).

Em 2007, Pepita Rodriguez esteve no elenco do filme "O Dono do Mar", versão de Odorico Mendes para o romance de José Sarney.

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

A CAMINHO DA ADOLESCÊNCIA - O MEU PEQUENO MUNDO



Visito de novo a minha antiga casa da Rua do Jardim e percorro as suas divisões que consigo atravessar sem voltar atrás dada a estranha planta da casa e chego de novo junto à entrada, entrando agora no meu antigo quarto onde passei toda a minha infância. Visto agora por um olhar de adulto era pequeno e estreito mas na altura sentia-o suficientemente grande para dar largas à minha fantasia.

Na parede que servia de fundo, oposta à da janela da rua, situava-se uma porta que dava directamente para as escadas de serviço, mais uma situação estranha na tipologia da casa que nunca entendi, esta do andar ter duas entradas a partir das escadas principais.

Claro que tendo aqui vivido até aos meus dez anos, os meus pais mantinham-na permanentemente fechada e estava discretamente tapada até meia altura por uma escrivaninha que os meus pais me ofereceram quando fui para a primária e na parte superior a minha mãe tratou de forrar o que estava à vista da porta com um tecido de escocês verde e preto onde posteriormente colei postais com automóveis antigos, as D. Elvira, como lhes chamavam na época, que recebera de colecção.

À direita do quarto, encostado à parede ficava o divã que me servia de cama e que era coberto por uma manta de tecido igual ao forro da porta, o escocês verde e preto.

Ao longo da parede, a toda a extensão da cama os meus pais pregaram várias estantes de madeira escura e trabalhada, onde colocava a minha colecção de automóveis antigos da Dinky Toys e da Corgy Toys à escala 1/43 que o meu pai me trazia de cada uma das suas viagens ao estrangeiro. Ainda hoje conservo alguns desses carros.


Na parede oposta outras estantes expunham outros brinquedos de maiores dimensões. Um Porsche 912 cor de laranja e matricula suíça, um Aston Martin DB5 cinzento prata igual ao do James Bond e que quando se pressionava a antena mudava a matricula, tal e qual o original fazia nos filmes ‘’Golfinger’’ e ‘’Thunderball’’. Mais tarde veio a juntar-se a esta colecção à escala 1/32 um Ferrari 365 vermelho a pilhas que trazia a particularidade de ser comandado à distância através de uma pequena consola de comandos ligada ao automóvel por cabo eléctrico. Os primórdios dos carros telecomandados.

Só recebia brinquedos desta dimensão como prenda de Natal dos meus avós e as prendas dos vários anos acumulavam-se nessas prateleiras, uma diligência a pilhas (e sem cavalos) que acendia uma lâmpada no seu interior possibilitando ver a silhueta dos seus passageiros, um robot, e um pequeno astronauta articulado que veio dentro de uma lata litografada com uma imagem do solo lunar, comemorando a chegada da Apolo 11 à Lua em 1969. Numa caixa no chão guardava a minha colecção de cowboys e índios, ansioso pela chegada de mais um aniversário que me traria as caravanas, as pirogas e os totens e quem sabe a aldeia índia, as casas do faroeste ou mesmo o tão desejado e inacessível forte, que nunca chegou!

Ao topo da cama, na parede, tinha uma peça em plástico azul com um anjo da guarda e todas as noites rezava:

Anjo da guarda
Minha companhia
Guarda a minha alma
De noite e de dia.

Da janela do meu quarto avistava por completo o primeiro quarteirão da rua e daí vivia com intensidade os episódios quotidianos das várias famílias e comerciantes.

À esquerda avistava o belo edifício rosa que fazia esquina com a Rua Heróis da Grande Guerra, o prédio onde ficava o consultório do meu dentista, o Dr. Lamy e a loja do Sr. Gaspar, pai do Paulo ‘’Badaró’’.

Foto de Dias Reis

Seguia-se uma enfiada de prédios e eventualmente algumas lojas que perdi na memória.

Quase diante do meu prédio ficava a casa de um alfaiate com bastantes filhos com a  particularidade de serem todos muito louros, parecendo nórdicos . O senhor ainda é vivo e guardo dele a recordação da sua afabilidade.

Diante deste prédio, no edifício vizinho ao meu ficava o celeiro do meu tio Leonel Ladeira, onde passei muitas horas brincando, enterrando as mãos nas tulhas de cereais e conhecendo os diferentes tipos de cereais. Era um local seco mas fresco, ideal para os dias de Verão. Por aí abaixo, na direcção da rua principal que atravessava a cidade, ficava entre outras casas, uma loja de electrodomésticos com enormes televisões Telefunken na montra, um sapateiro, gordo e forte como um touro, o Sr. Carlos e a sapataria Super América.



No prédio diante do meu vivia o Sr. Norberto no rés do chão e assisti ao longo namoro de janela da Anabela com o Chico Cera.

No último andar desse prédio viviam os Bonécios, o João e a Fatinha e falávamos de uma janela para outra durante horas a fio. O seu pai trabalhou, julgo eu, na empresa do meu pai e foi mais tarde gerente do Bocage. Emigraram por duas vezes para a América e por lá ficaram.


Ainda me recordo do seu Vauxhall Viva HD cinzento. Aliás as memórias das pessoas dessa rua, então ainda aberta ao trânsito que provinha quer da Rua Capitão Filipe de Sousa quer da Rua Leão Azedo, são também as memórias dos seus carros. O Peugeot 403 e mais tarde o Ford Cortina GT do meu pai, os Ford Cortina do meu tio, o Ford Taunus do meu avô paterno que não raras vezes estava estacionado na Leão Azedo, onde aliás se estacionavam os carros dos moradores da rua e dos seus visitantes, o Morris van com armação de madeira de um dos comerciantes bem como um Fiat Multipla que desconheço o proprietário, vários Citroen Ami 6 e Ami 8, um Ford Taunus 17M ‘’Sabonete’’ e ainda uma longa série de Opel Kadett e Record, Renault 10 e 8, Simca 1000, Fiat 1100 e 1500, Peugeot 404 e o 203 azul do Dr. Mota que vivia na Filipe de Sousa no mesmo prédio do meu avô, donde aliás provinha o Fiat 1500, o VW carocha do Sr. Dinis, um dos donos da Farmoeste e o espantoso VW Kharman Ghia da D. Helena Pinto Bastos, a ‘’Cabelos no Ar’’, a excêntrica proprietária da Mansão da Torre e visitante diária da nossa rua. Na realidade eram mais as carroças puxadas por bois e camponeses montados nos seus burros que transitavam na nossa rua do que automóveis, tornando possível que jogássemos à bola ou brincássemos aos policias e ladrões em plena artéria.


Por baixo de minha casa ficava a Farmoeste, um grande armazém de produtos farmacêuticos que se estendia até ao Beco do Forno nas traseiras da minha rua e para onde davam também as escadas de serviço do meu prédio.

Quase diante do meu prédio, ao lado da casa dos Bonécios ficava uma drogaria com os seus tradicionais alguidares e vassouras à porta. A sua proprietária tinha dois filhos já a entrarem na idade adulta e lembro-me como se fosse hoje da sua alegria que se propagou a toda a rua quando o seu filho mais novo regressou da tropa na Guiné, a fazer lembrar a cena da chegada da filha do Brasil (a actriz Maria da Graça) no filme ‘’O Pátio das Cantigas’’ de Francisco Ribeiro (Ribeirinho)!

Ao seu lado ficava a tenebrosa, pela reputação que tinha entre as crianças, escola primária da D. Perpétua com os seus então prosaicos métodos de reguadas e o mal afamado e temido ‘’quarto escuro’’.

Mais ao lado ainda, ficava a casa dos irmãos Albuquerque, já idosos e amigos do meu avô materno.


Entretanto, do meu lado da rua e ao lado da Farmoeste ficava até há pouco tempo uma tipografia muito barulhenta que imprimia todo o tipo de documentos necessários à actividade comercial caldense. Muitas vezes, pela urgência das suas encomendas, trabalhava até altas horas da noite enchendo a rua com o seu matraquear característico.

Algumas portas ao lado e mesmo no topo da Rua Leão Azedo ficava uma tradicional e pitoresca taberna com portas de batente como os Saloon do Faroeste e enormes pipas por trás do balcão. Aí ia eu, único rapaz da casa, comprar cigarros da marca Sagres para a minha mãe.


O meu pequeno mundo da Rua do Jardim (Alexandre Herculano) terminava geralmente por aí. Para lá desse quarteirão, da esquina com a Rua Leão Azedo já só conseguia a custo ver a Funerária Neves, a mercearia do avô do Rui Rodrigues, meu cunhado, com os seus cachos de bananas de que era importador, à porta; a Pensão e Restaurante Lanterna da D. Alice e de onde eu via sair as moças com as merendeiras para entrega de refeições ao domicilio e as várias outras pequenas lojas e armazéns que se estendiam até ao cimo da rua.


Quando a rua se tornava calma e bucólica e a sala não me atraía, cirandava pelo prédio, os meus primos viviam no segundo andar e o terceiro andar, apesar de parcialmente mobilado, guardava os nossos brinquedos e fazia de quarto de brinquedos e centro de brincadeiras de toda a família que ocupava inteiramente o prédio.

Aqui guardava eu os outros brinquedos que serviam para jogar com as minhas irmãs e os meus primos, o Subbuteo e o Sabichão, o Mikado e o Loto, as pistas de comboios e de automóveis.


Em dias de sol saía para as traseiras.

Da porta da marquise da minha cozinha acedia aos pátios interiores, situados entre o nosso prédio e os prédios vizinhos que davam para o Beco do Forno. Era aí que passava a maior parte do dia. Compráramos um baloiço que consistia numa placa circular de plástico vermelha com uma corda presa ao centro e que atámos a extremidade a um corrimão da escada de serviço. Digladiávamo-nos entre irmãos pela nossa vez de andar no baloiço e era aí no esconso por baixo das escadas de serviço que guardava a trotineta que me fora oferecida pelo meu avô materno que a comprara nos Armazéns do Chiado na Praça da Fruta, onde agora fica o edifício do Millenium. Já a pequena bicicleta vermelha que ganhara dos meus avôs paternos no Natal de 1968 ficava guardada na pequena arrumação que ficava no fim das escadas de serviço, junto à entrada do Beco do Forno e onde guardávamos a lenha para a lareira.


Nesse pátio ou terraço, jogava à bola sozinho chutando-a contra a parede e tentando jogar sempre ao primeiro toque, quando me cansava ou aborrecia desta brincadeira, deitava-me no chão em cimento e ficava extasiado a olhar para o céu azul tentando dar formas às nuvens que passavam sopradas pelo vento. Ursos e castelos, caracóis e coelhos, comboios, vacas e touros, tudo me passava diante da vista.

Um dia, fascinado pelos livros de banda desenhada americana, peguei numa camisola interior branca que se utilizava nessa altura e pegando numa esferográfica azul (que só podia utilizar em casa uma vez que na escola primária, no Colégio Ramalho Ortigão, apenas podia usar as canetas de tinta permanente) desenhei dois raios em V invertido ao peito e sob eles o planeta Saturno. Apesar desse desenho auto-intitulei-me Capitão Vénus e com um tubo de plástico preto - daqueles que servem de lombadas de encadernações - com raios pintados a tinta branca a fazer de ceptro mágico, de espada ou de lança-raios, dependendo da ocasião, vivi e imaginei inúmeras aventuras de quem brinca sozinho.

No último andar da escada de serviço existia um velho tanque de lavar a roupa e nele coloquei dois belos barcos e um submarino que recebi de presente, aí permaneceram até a água ficar pútrida por não saber mudá-la. Julgo que quando mudei de casa, os barcos e o submarino lá ficaram, esquecidos, no fundo do tanque.

Eram tempos diferentes, ainda o meu avô não construíra uma das primeiras fábricas de conservas do país e onde o grão e o feijão eram demolhados em alguidares, as favas e as ervilhas descascadas em clima de festa, na cozinha com as empregadas, a Elvira, a Elisa e mais tarde a Fernanda e a Manuela e finalmente a Júlia que me acompanhou na primeira noite na nova casa no Burlão. Em que brincávamos com os coelhos, patos e galinhas antes de estes serem mortos, esfolados e depenados no pátio enquanto frequentávamos a escola, para nos poupar ao horror da matança e ao desgosto de perdermos os animais de estimação.


Em que o puré de batata se fazia cozendo as batatas e passando-as depois pelo ‘’passe vite’’. Em que fazíamos os pastéis de massa tenra e rissóis e ajudávamos a formá-los com copos ou cortá-los com o corta massa de rodinha dentada. Em que a sua massa era feita em casa com farinha, água e sal, e esta era batida e estendida com o rolo durante minutos a fio! Em que comíamos gemadas, mingaus feitos de farinha Maisena e pudins Mandarim em pequenas formas de aluminio.

A cozinha era também o local da casa mais frequentado por nós e como nesse tempo se perdiam longas horas na confecção das refeições – até o leite tinha de ser fervido e a manteiga, marmeladas, geleias e compotas eram de produção caseira – as empregadas personalizavam muito aquele lugar e uma tarde a Fernanda lembrou-se de pintar um mural na maior parede da cozinha que assim ficou adornada por longos anos por uns belíssimos papagaios!

Quando nem os pátios das traseiras me chegavam, escapava para o Beco do Forno, uma ruela em terra batida que ficava nas traseiras do meu quarteirão e a que tinha acesso directo por umas íngremes escadas de serviço que partiam dos pátios do meu prédio e que passavam por baixo do prédio das traseiras, o prédio onde viviam os meus tios avós Francisco ‘’Taquinho’’ e Porfiria e que nas tardes frias de Inverno me recebiam de braços abertos após a escola para tomar um cacau quente ou comer uma linguiça assada.

Esse beco desembocava na fábrica de móveis dos Oliveira e durante parte do dia estava ocupado com grandes camiões Scânia e Bedford que efectuavam as suas cargas de mobiliário e descargas de madeiras mas quando estes partiam o beco ficava livre para que os clientes da Taberna do Antero, uma das mais populares da cidade, pudessem exercitar os seus dotes e libertar-se dos vapores do álcool no tradicional jogo da malha.


Estes eram muitas vezes trabalhadores eventuais que ajudavam na central de camionagem dos Capristanos (mais tarde Claras) e também nas cargas e descargas de mercadoria na Praça e em cuidar dos burros e bois que puxavam as carroças ou carregavam no dorso os produtos das hortas e dos pomares das cercanias e que eram instalados em estrebarias situadas nas Ruas do Diário de Noticias e do Parque.

Entre a assistência às disputas do jogo da malha e o trabalho de artesão dos curtumeiros de uma oficina de peles que pertencia à Sapataria Félix se passavam muitas tardes apenas intercaladas por idas em correria ao Nutripol, o primeiro supermercado a abrir na Caldas e que se localizava na Rua Heróis da Grande Guerra mesmo diante da embocadura do beco.

No último dia de Fevereiro de 1969 aconteceu o grande tremor de terra. Ouvimos os lustres de cristais das salas a tiritarem e tudo a abanar. Os meus pais pegaram em nós e levaram-nos para a segurança do enorme terreiro de cimento que fora construído junto à nova fábrica no Lavradio, na estrada de Tornada. Muitas outras famílias juntaram-se a nós e ai permanecemos por uma ou duas horas até o meu pai sentir que já seria seguro voltar para casa.


Passámos ainda ao Burlão, cujos prédios estavam ainda em construção e mal imaginando que para um deles nos mudaríamos quatro ou cinco anos depois e verificámos que grande parte da população tinha-se dirigido para aí, para o grande e amplo descampado da nova Praça Oliveira Salazar, longe dos prédios que temia-se pudessem ruir. Ao voltarmos a casa constatámos que enormes rachas se tinham aberto no estuque de todas as paredes da casa. Muitos anos depois as marcas desse tremor de terra ainda eram visíveis em muitas habitações da cidade.

O sismo teve a magnitude de 7,3 e nunca mais houve um tremor de terra como aquele em Portugal. Faz hoje 42 anos!

Passaram-se os anos. Em 1969 tinha passado para a primária no Externato Ramalho Ortigão e todos os dias, nos primeiros dois meses acompanhado e depois sozinho, saía de casa, atravessava a Heróis da Grande Guerra ou a Leão Azedo e apanhava o autocarro do Claras que nos levaria ao Colégio depois de um percurso pela cidade para recolher outros alunos. E foi assim que testemunhei a construção do Burlão e a todas as alterações que foram sendo efectuadas na Avenida da Estação.

A saída de casa de manhã, nos primeiros tempos, eram particularmente penosas, estava sempre bastante ensonado e como não existiam ainda as mudanças da hora de acordo com as estações do ano, as idas para a camioneta eram sistematicamente efectuadas ainda de noite e a central de camionagem recebia-nos com uma feéricas luzes amarelas. Como sempre, a D. Clarisse, professora do Colégio, era a primeira a chegar e a ocupar o seu lugar na primeira fila ao lado do condutor.


Recordo-me muito bem de muitos dos alunos que apanhavam ali o autocarro incluindo as raparigas mais velhas que frequentavam já os anos mais avançados do Colégio, até ao antigo 7º ano (hoje 11º de escolaridade).

Ao almoço vinha a casa e conseguia ver para além da abertura da emissão, os desenhos animados do Tintim e uma série de TV que conforme o dia da semana, poderia ser ‘’Viver no Campo’’ com a Eva Gabor, ‘’Por Favor Não Me Comam os Malmequeres’’ com a Doris Day, ‘’Uma Mãe para Eddie’’, ‘’O Fantasma e Eu’’, ‘’Os Meus Sobrinhos’’, ‘’Julia’’, ‘’Mary Tyler Moore Show’’ ‘’A Familia Partridge’’ e ‘’I Love Lucy’’ e um programa chamado ‘’Feminino no Singular’’ que não me animava particularmente mas que tinha que gramar todos os dias.

Nas tardes de sábado via os desenhos animados do Kimba e as séries ‘’Bonanza’’, ‘’O Cowboy em África’’, ‘’Daktari’’, ‘’Lassie’’, Skippie’’, ‘’Zorro’’, ‘’Fúria’’, ‘’Monty Phiton’’ ‘’Daniel Boone’’ ‘’Polly em Espanha´´, ‘’Flipper’’, ‘’O Rei e Eu’’, mais tarde ''Os Pequenos Vagabundos'' e os documentários apresentados pelo Walt Disney.

À noite via o ‘’Olho Vivo’’, o ‘’Casei com uma Feiticeira’’, e os desenhos animados dos ‘’Flintstones’’. Se os meus pais me permitiam via então o ‘’Dr. Kildare’’, ‘’O Fugitivo, ‘’McCloud’’, ‘’O Casal Mac Millan’’, ‘’O Santo’’ e ‘’Os Persuasores’’.


Com o decorrer dos anos, os meus pais foram-me permitindo sair sozinho de casa. Primeiro até à Zaira, pois só teria que atravessar uma rua com trânsito a pé, a Rua das Montras, que chegou a ter um semáforo no cruzamento com a Praça e ainda antes dois Policias Sinaleiros em cada ponta, na Praça e no cruzamento entre a Heróis da Grande Guerra, a Almirante Reis (Rua das Montras) e a Miguel Bombarda (Rua dos Bombeiros).

Mais tarde permitiram-me passar a Praça e ir até ao casino, ao parque e a casa do Kiko no fim da Rua do Parque, locais onde passava a tarde.

O meu mundo alargava-se finalmente e expandia-se para além dos limites da minha rua e do meu quarteirão.

Ainda na casa da rua do Jardim terminei a Primária e entrei no Ciclo Preparatório, agora na Escola Industrial e Comercial pois sabia-se já que o Colégio iria terminar com o aparecimento do Liceu oficial.

Um dia os meus pais informaram-nos que iríamos mudar para uma casa, não maior mas mais adequada em termos da disposição de divisões, situada no Burlão. Exactamente para o mesmo andar onde tinham até há pouco morado o Miguel e a Blica Crespo Caetano, meus amigos.

Instalei-me no meu novo quarto , o antigo da Blica, por belas tardes e ainda sem lá viver fui decorando-o com posters, o Tyrrel 006 do Jackie Stewart, um tigre, uma imagem psicadélica da ópera-rock Jesus Christ Superstar que uns anos mais tarde daria a imagem da nossa primeira discoteca particular.

Mal instalaram uma cama naquele quarto, transportei uma série de livros para a nova casa e ainda os pintores e estucadores davam os últimos retoques à casa já eu me apossara do meu quarto por longas horas da tarde. Não sei se este novo quarto era maior ou mais amplo que o anterior mas tinha sobretudo uma nova vista, novos amigos para fazer e novas ruas para atravessar, um novo mundo para explorar.


COMENTÁRIOS ADICIONAIS

António J F Albano

Estou no meu mundo de criança :):)....A senhora da drogaria era a Srª Célia e a loja dos televisores pertencia ao Srº Inácio Abegão que se mudou para esse loja após o sismo de 1969. Vindo mais tarde a abrir uma loja de maior área ao lado da tal taberna de portas de saloon um pouco mais acima onde era o stand da Skoda que na altura era uma marca muito invulgar no nosso mercado. A mercearia ao lado do Sr. Silva que vendia chapéus e roupa e da barbearia do Lousada era explorada pelo Sr. Joaquim


Paula Bispo

E a pensão da D.Alice....(só muitos anos mais tarde "A Lanterna"....isto quando a D.Alice adoeceu)....foi precisamente onde eu nasci........Na pensão da minha madrinha além de toda a comida ser deliciosa, ela fazia uns pastéis de massa tenra... como NUNCA mais comi nenhuns.....NENHUNS!!!! Eram deliciosos e não chegavam para as encomendas.....(Temos a receita, mas...não é a mesma coisa!....)

As carroças puxadas por bois...a que fazes referência e que desciam assíduamente a RUA do JARDIM....iam carregadas de lenha para deixar na FÁBRICA do GATO PRETO....(que era quase ao lado da PENSÃO da D.ALICE...).e onde eu ia muitas vezes buscar umas cavacas e outos doces.....OH,mesmo  ali ao lado, era uma tentação!!!!!E também aí havia a TINTURARIA do ADELINO......(Que ainda é vivo, mas toda a família está na América....ele, mulher, filha, genro, netos.......TODOS!!!)....

(Acerca das merendeiras) Sim....eram chamadas "lancheiras"...por baixo ia a sopa e por cima a comida. Nós adorávamos ir com as "criadas" (naquele tempo eram assim chamadas) fazer as entregas ao domicilio.....porque as pessoas davam gorjetas e elas dividiam connosco.

Na pensão da minha madrinha havia um telefone onde se colocava uma moeda de 5 tostões e quando a outra pessoa atendia carregava-se para a moeda cair e só assim se conseguia falar ao telefone!


Ler também a crónica: RUA DO JARDIM de António J F Albano


PACHÁ E A TABERNA DO ANTERO - UMA HISTÓRIA COM 45 ANOS
Texto Complementar à crónica ''O Meu Pequeno Mundo''


As tabernas, que agora deram lugar a snacks, bares e cafés, eram até esta evolução, lugares de convívio e de encontro entre muitos homens. O acto de beber um copo de vinho deu lugar a outro tipo de bebidas que tomaram o lugar desse néctar dos deuses. O Pachá, anteriormente conhecido como o Antero, conserva ainda muitos costumes típicos da vida portuguesa, caso da taberna.

Antero Feliciano está a tomar conta do Pachá vai para 45 anos. Anteriormente chamada taberna do Antero, este estabelecimento tem vincado muito a vida social das Caldas da Rainha, numa cultura de beber um copo de vinho e também de juntar o povo das aldeias e das diferentes áreas da sociedade.

O Pachá, quando Antero Feliciano ali chegou, não era nada daquilo que é hoje, dantes havia horas em que quase se dormia, porque não havia clientes e por vezes também ia para a estrada ver os carros a passarem de hora a hora e pessoas passearem na rua sem alcatrão. Desde esse tempo muita coisa mudou, e para conquistar clientes arranjou uns petiscos, principalmente para os carteiros, eram três na altura, que todos os dias ali iam. Mais tarde começaram a frequentar o estabelecimentos os elementos da família Capristanos, da Rodoviária, fazendo da taberna do Antero um local de passagem e de contacto habitual.

Com este crescendo de clientela, Antero Feliciano, que só tinha a taberna, adquiriu a sala de cima, e definitivamente, comprou o seu espaço comercial, à viúva do Coradinho, o antigo proprietário, e com este negócio o Pachá e a taberna do Antero evoluíram para o que se vê hoje.

Um dos desejos de Antero Feliciano era que estes espaços prosseguissem, mas este tipo de comércio, agora sob administração dos seus dois filhos, poderá ou não continuar. “Aqui passam-se bons bocados com os amigos, para além da gente fazer negócio, porque vem para aqui muita gente e é um local de passagem das Caldas, agora à segunda-feira e antigamente ao sábado, porque era o dia que as pessoas recebiam do seu trabalho do campo”,manifestou.


Antero Feliciano, na foto com a sua esposa,
foi durante muitos anos quem dinamizou o agora conhecido Pachá

A história da abertura desta casa é um caso de ajuda e de oportunidade, porque na altura em lhe propuseram o negócio, Antero Feliciano trabalhava no campo e como todos os outros também esporadicamente vinha às Caldas e vinha ao Coradinho. Num dia que veio a casa estava em trespasse, e custava dez contos, que na altura era muito dinheiro. O seu padrinho propôs-lhe ficar com o estabelecimento, mas Antero não tinha dinheiro. O padrinho emprestou-lhe o dinheiro, que Antero Feliciano lhe pagou, alguns anos depois, porque na altura fazia-se 26 escudos de caixa e pouco mais.

Quando abriu o Antero, o preço dos copos de vinho era a cinco tostões e os maiores e a dez o areeiro, agora conhecido por penalti. Na altura só era permitido vender vinho e seus derivados e a comida veio por acréscimo, porque na altura na taberna muita gente fazia ali a sua merenda. “Compravam na praça o peixe e as batatas e nós cozíamos e depois vendíamos o vinho, porque na altura não se podia vender comida”, recordou o proprietário. Posto isto e com algumas multas pelo caminho, Antero Feliciano começou a fazer os petiscos, com o tradicional peixe frito, o cachucho e as sardinhas com cebola, dobradas, cozidos e sopas, e o negócio começou a crescer.


Carlos Barroso – Jornal das Caldas


JOGO DA MALHA

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

O JORNAL PERSPECTIVA


Por ideia do Paulo Lemos que era o Presidente da Associação de Estudantes do Liceu e dinamizado pelo António Eduardo Marques (Dadinho) , criou-se em 1980 o jornal da AE com o nome de Perspectiva.

O jornal era impresso em stencil o que dava um trabalhão dos diabos e limitava bastante a tiragem.

O primeiro número, impresso em papel verde (?!), não me recordo porque motivo, foi uma edição de parede, sendo afixado na parede situada à esquerda da porta da associação de estudantes, no átrio do primeiro andar do liceu.

Foi nesse número que editei a minha primeira crónica e julgo que todos os demais tiveram aí as suas primeiras experiências literárias e artísticas publicadas.

A minha primeira crónica falava da necessidade de os estudantes do liceu, logo após as eleições para a A.E. se unirem em torno do que lhes era comum e fazerem do Liceu um lugar melhor e com actividades extra-curriculares interessantes e apelativas.

Já não possuo qualquer cópia desse texto o que é pena para ver que o meu discurso não mudou muito em trinta anos.

Julgo que ninguém terá um exemplar dessa primeira edição e tão pouco me recordo se chegou a ser distribuída. Provavelmente não, pois existindo uma edição pública de parede não faria sentido vender exemplares.

Já da segunda edição, a primeira efectivamente editada com o intuito de ser vendida aos alunos, possuo um exemplar que desconheço se é único entre os 400 que foram impressos.

É esse exemplar que digitalizei para que agora possa ser compartilhado por todos. Estejam à vontade para fazer cópias.

O jornal com o nr. 2 e referente a Abril/Maio de 1981 tinha como Director o Paulo Lemos e como redactor principal o António Eduardo e nele colaboraram o João Paulo Feliciano, hoje um dos mais prestigiados, talentosos e multifacetados homem da cultura nacional (ia para chamar-lhe artista mas há tantos ‘’artistas’’ por aí que poderia ser considerado depreciativo) e cujo currículo está hoje bem exposto no Google, a Leonor Nazaré, Nônô para os amigos, hoje Curadora da Fundação Calouste Gulbenkian com um papel muito importante na organização de exposições. O João Paulo, a Teresa Requeijo, o Rafael Chust que se deve lembrar bem daquela azáfama com a produção do jornal, o Pedro Penteado, a Ana Sá Lopes, a nossa ilustre jornalista, comentadora, colunista e escritora e que recentemente assumiu as funções de directora-adjunta do Jornal I depois de ter passado pelo Público e pelo Diário de Noticias. Colaboraram ainda o Sérgio Silva, o Zé Luis Silva, o Abel Campos, o João Paulo Neves (que também anda por aqui no facebook) e o Jorge Pereira para além de eu próprio. Alguns não vejo quase desde que terminei o liceu.

O Editorial, na página 2, assinado pelo Exmo. Senhor Presidente da Direcção da Associação de Estudantes, Paulo Lemos, expunha as dificuldades para criar uma sala de convívio no Liceu, sala esta que nunca chegou a existir durante todo o período de actividade do Liceu do Parque. Pensando bem, entre os três átrios (um por andar), as traseiras do Liceu e a parada e todo o Parque D. Carlos I (que privilegiados éramos!) zonas para conviver não nos faltavam!

Com o título ‘’Insólito’’, um artigo do José Luis Silva dissertava ao longo de duas páginas sobre vários enigmas da história, prometendo deixar para um próximo número a sua própria tese para a explicação dos vários mistérios.

Nas páginas 4 e 5, o António Eduardo desenvolvia um artigo sobre o Space Shuttle que estava pronto a partir na sua missão, questionando a validade de um projecto que só servia para entrar em órbita da Terra.

Compartilhando a página 5 e estendendo-se por toda a página 6, a minha coluna Triangulum apresentava a minha segunda crónica intitulada ‘’O Dinossauro’’ onde dissertava sobre a geopolítica mundial. Uma obra-prima! (Mas relembrava a Gabriela Schaff! Lembram-se?)

As páginas 7 e 8 descrevia uma visita de estudo a Lisboa ao Museu de Arte Antiga, á Fundação Calouste Gulbenkian e finalmente ao Teatro ‘’A Barraca’’ para assistir a uma peça de Gil Vicente com Maria do Céu Guerra e Orlando Costa. A autoria do artigo era compartilhada pela Paula Perista e pela Ana Sá Lopes (provavelmente o primeiro de muitos que admiramos nas páginas dos nossos principais matutinos).

Ainda na página 8, Pedro Penteado apresentava uma versão humorística e muito ficcionada da vida de Camões.

Nas páginas 10 e 11 Abel Campos fazia a crónica da excursão de finalistas a Benidorm de 1981 (uns anjinhos comparados com a nossa a Torremolinos em 1980!) e era acompanhado ainda na página 11 por uma outra crónica intitulada ‘’As Indignações do Olimpo’’ assinada por M.T. (Teresa Requeijo?) e questionando o debate sobre a educação decorrido na Assembleia da República. Nesta última página anunciava-se ainda a organização de um concurso de desenho, um concurso de fotografia e uma feira do disco usado.

A página 12 abria com um problema matemático apresentado por Sérgio Silva (não, não era o Pica que ainda era muito novinho para estas coisas!) e continuava pela página 13 e 14 com um artigo do António Eduardo intitulado ‘’Com a faca…mas sem o queijo’’ sobre política mundial e a recente eleição do presidente Ronald Reagan.

O António Eduardo, com prerrogativa de redactor principal, ocupava a página 15 com um texto seu com o título sugestivo ‘’Bum’’ numa coluna com o nome de Criar (te). João Paulo Neves escrevia um pequeno poema na borda da página. O título era ‘’O Aborto do Planeta Terra’’ (sic)

Na página 16 João Paulo Feliciano ensinava o que era um soneto e apresentava dois da sua autoria. A página concluía-se com um novo texto de Abel Campos.

Leonor Nazaré, a Nônô, apresentava um poema sem título na página 17. Tem agora aqui uma excelente oportunidade para desenvolver a sua crítica literária a uma jovem poetisa de 16 anos.

São da autoria do João Paulo Feliciano as ilustrações do jornal e particularmente interessantes as que acompanhavam as novidades livreiras na página 18.

A página 19 continha a secção Lazer com apresentação das novidades discográficas e dos filmes em cartaz no Estúdio Um. Dos discos editados retemos os Tantra e os Taxi entre outros. No cinema apresentava-se entre outros, ‘’O Meu Tio da América’’ de Alain Resnais, ‘’Glória’’ de John Cassavetes e ‘’Lagoa Azul’’ com Brooke Shields.

Quase a terminar a página 20 apresentava por Amador Fernandes, o Núcleo de Investigação e Divulgação Científica do Liceu.

Finalmente na última página, inexplicavelmente uma página impar, sobrando uma página em branco (faltou um artigo Dadinho?), a secção Passatempos e Curiosidades da responsabilidade do nosso brasuca Rafael Chust.

Não me recordo se o Perspectiva conheceu uma terceira edição. Não certamente nesse ano lectivo. Os outros que compartilham este espaço connosco o dirão.

A elaboração e produção do jornal deu muito trabalho e lembro-me das dificuldades que o Paulo e o Dadinho tiveram em passa-lo ao stencil. Mas voltando agora atrás no tempo valeu a pena esse esforço pelo momentos de convívio que nos possibilitaram e que reforçaram a nossa amizade.

Este exemplar que guardo com carinho e que agora disponibilizo a todos é um testemunho dessa amizade que guardamos.



Gabriela Schaff - Eu Só Quero

Nota: Entretanto o Luis Lamy esclareceu-me que houve, pelo menos, outros dois jornais editados por alunos do Liceu do Parque através da Associação, mais ou menos na época da ocupação do Liceu pelos alunos em 1975: "O Caveira" e o "Retrete Do Opressor".

Comentário do António Eduardo Marques: Eh pá... O Perspectiva! Meu Deus, há quanto tempo...

Algumas pérolas:

1. O papel verde não foi escolhido. Foi alguém (que já não me lembro quem) que nos ofereceu o papel - era o que havia e a cavalo dado... O papel era a maior despesa do jornal e a DAE andava sempre à procura de quem o poderia oferecer.

2. O nome Perspectiva foi uma palavra escolhida ao acaso do Dicionário. Eu, o Lemos e o JPF arranjámos um dicionário, abrimos uma página ao calhas e foi a primeira palavra gira que encontrámos. Na verdade, acho que foi à segunda tentativa, pois na primeira página aberta não sauiu nada de jeito...

3. O Jornal de parede era uma entidade à parte. Uma forma de manter o pessoal informado com periodicidade semanal ou quinzenal e que funcionava entre as edições (mensais, ou quando calhava) do Perspectiva.

4. Houve uma edição (várias na verdade) feita sobretudo por mim e pelo João Paulo Feliciano, chamada Peerspectiva Musical, que era como o nome indica, sobre música. Na altura (só na altura?) eramos todos fanáticos por música e o PM foi muito influenciado por um jornal que saiu na altura e que se chamava RockWeek.

5. Sairam pelo menos duas edições do Perspectiva Musical, uma delas incluindo uma entrevista feita na Pink Panther, em S.M. do Porto, por mim e pelo JPF, aos Street Kids, que foram lá actuar.

6. Sairam várias edições do Perpectiva, pelo menos umas 4 ou 5. As últimas tinham um logótipo diferente, mais elegante. As últimas edições já eram bastante mais sofisticadas, pois entretanto havia uma coisa chamada "stencil electrónico" que, ao contrário do convencional, permitia a impressão de fotografias.