Desde muito novo que tenho um enorme gosto pela leitura. Ainda antes de frequentar o liceu já me encaminhava vários dias por semana para a Bibilioteca Gulbenkian, no parque, para ir levantar os três livros da praxe que geralmente devorava em dois dias.
Nas tardes de Verão ou de outras férias em que o tempo não nos dispunha para ir à praia ou à rua, preparava metodicamente um jarro de refresco Dawa ou Alsa, uma enorme quantidade de papo-secos das Teixeira com fatias grossas de marmelada e manteiga e instalava-me no meu quarto, ao som de uns vinis e deitando-me em cima da cama, passava longas horas em leitura na companhia do Tarzan, do Lagardére, do Arsene Lupin, do Santo (colecção Vampiro!), do Capitão Morgan e de toda a obra de Emílio Salgari (incluindo o Sandokan) e de Julio Verne! O meu método era simples. Pegava nos indexes das colecções e lia as obras dos meus heróis ou escritores preferidos por ordem de data de edição ou da sua disponibilidade na biblioteca, não descansando enquanto não lia toda a bibliografia.
Bem mas do gosto pelos livros e particularmente pelas bibliotecas Gulbenkian escreverei numa outra oportunidade!
Hoje remeto-me para a recordação das revistas do nosso tempo!
O que me salta à vista é que a panóplia de revistas daquele tempo nada tem a ver com a infinidade de títulos que hoje enchem os quiosques e papelarias. E afinal o que é que a nossa geração lia na altura?
As minhas mais remotas recordações remetem-me para a leitura dos Disney e de outras bandas desenhadas de origem brasileira, a Turma da Mónica, argentina (Mafalda) e americana (Bolinha, Brotoeja, Lulu, Charlie Brown, Katzenjammer Kids, ou sejam, Os Sobrinhos do Capitão e o Pequeno Nemo), sempre em edições brasileiras!
Ainda na primária recordo-me de ir para casa do Luis Correa, meu colega no Ramalho Ortigão, embora um ano mais acima (agora no Cadaval mas que na altura vivia junto ao Burlão), ler os fascículos das séries de continuação semanal do Tintim que ele encadernava religiosamente. Mais tarde estas revistas ‘’a suivre’’ deram lugar às revistas Spirou e Jacto. Foi assim que conheci heróis como Michel Vaillant, Tanguy & Laverdure, Ric Hochet, Blake & Mortimer, Spirou, Blueberry, Valerian, Asterix, Os Túnicas Azuis, Bruno Brazil, Bernard Prince, Simon du Fleuve, Luc Orient, Yakari, Alix, Lucky Luke, Corto Maltese e tantos, tantos outros.
Mais tarde, talvez já no ciclo iniciei-me na leitura dos Comic americanos com as revistas da Editora Brasil-America Lda (Ebal) no sotão do Manel e do Luis Castelo Branco e na leitura do SuperHomem, Batman, Flash, Legião dos SuperHerois, Lanterna Verde, etc. etc.
Já nos tempos do liceu corria os quiosques à procura das revistas de bolso Condor e Falcão para ler as aventuras de Ogan, Kalar, Ene 3, Major Alvega, Kit Carson, Texas Jack, Oliver, Dogfight Dixon, David Crockett, Buffalo Bill, das revistas Jornal do Cuto e Mundo de Aventuras e os seus Mandrake, Fantasma, Tarzan, Luis Euripo, Flash Gordon, Brick Bradford,Gringo, Garth, Rip Kirby, Johnny Hazard, Steve Canyon, Cisco Kid e de revistas de western para ler o Kid Seis-Balas, Ringo, Laramie John, Tex, Billy-the–Kid, Oklahoma Slim, Colorado Kid e outros pistoleiros invencíveis.
Isto somado às tiras de BD das edições dominicais do Diário de Noticias com o Principe Valente, O Coração de Julieta, Blondie, Modesty Blaise e Brenda Starr.
Desses primeiros momentos de leitura nasceu uma enorme paixão pela banda desenhada que me fez tornar por longos anos um grande (exagerado!) coleccionador deste género de literatura.
Mas nem só de banda desenhada constava o nosso gosto pela leitura de revistas nem tão pouco a BD era do agrado de muitos de nós.
As raparigas entusiasmavam-se com a compra das revistas alemãs Bravo e Pop. Não percebiam nada dos textos mas retiravam daí as letras das canções mais populares e canibalizavam as revistas por inteiro. Os posters da página central decoravam as paredes dos quartos e as fotos eram recortadas e após um elaborado trabalho de colagens faziam capas para os seus dossiers, cadernos e até livros escolares. Disso dei conta na crónica ‘’Posters e a Suzy Quatro’’!
Os rapazes mais apaixonados pelos desportos motorizados, como eu, compravam semanalmente as revistas Volante e Motor (que nas primeiras séries eram enormes e traziam um poster nas páginas centrais) e mais tarde as revistas Motor (2ª série) e Auto Mundo. E todas as terças ou quarta feiras lá ia eu à Jornália (mais conhecida pelo Diário de Noticias) ou à banca das escadas da Traviata gastar dois terços da minha semanada na compra destas revistas.
Também estas colecções estão devidamente encaixotadas em minha casa para desgosto da restante família que bem gostaria de se livrar delas!
Por casa os pais liam a Flama, o Século Ilustrado, a Vida Mundial e a Nova Gente onde se entretinham com a coluna de mexericos entitulada Ziriguidum escrita por uma tal Daniela que mais tarde se veio a descobrir ser o Carlos Castro. As senhoras mais jovens liam a Plateia e as suas fotonovelas e reportagens dos famosos ou com a Crónica Feminina, a antecessora da revista Maria. As apreciadoras do género liam aos enredos amorosos da Corin Tellado, as fotonovelas da Capricho e a adaptação semanal para fotonovela da radionovela de origem espanhola Simplesmente Maria que entre 1973 e 1974 foi transmitida em 500 folhetins radiofónicos na Radio Renascença!
À medida que fomos crescendo os nossos gostos passavam mais pela revista Mad e pelas revistas e jornais de música e espectáculos como a Música & Som, o Se7e e o jornal Blitz.
E quando entrámos na adolescência começámos a admirar o belo sexo e depois de darmos uma espreitadela às revistas com nús artisticos como a Photo, a Lui e a Oui! que eram compradas pelos irmãos mais velhos (quem os tinha!), passámos à leitura, ou melhor, à visualização de nús, digamos, menos artisticos!
Pelo menos umas duas vezes por ano, alguns rapazes mais ousados juntavam-se em grupo e com o maior dos embaraços iam em bando até à banca escolhida e no meio de uma dezena de revistas diversas lá compravam a medo a revista Gina!
A Gina foi a primeira e mais popular revista pornográfica a ser publicada em Portugal e foi também o maior terror de todas as Virginias e Reginas deste país! Só o nome de Gina desencadeava um sorriso mais ou menos cúmplice e matreiro entre os jovens da minha geração e foi o que aconteceu, certa vez, com um amigo, agora radicado no estrangeiro, que se lembrou de aparecer em minha casa de Lisboa com uma amiga, ou espécie de amiga, com demasiada maquilhagem, decote generoso e mini-saia curta demais para o diâmetro das suas coxas! Ao apresentar-nos a amiga com o nome de Gina, soltámos uma gargalhada instantânea que ainda hoje, passados quase trinta anos, fará corar a pobre rapariga!
A revista então comprada numa banca das Caldas seguia direita para o liceu onde conhecia a maior taxa de audiência alguma vez registada por publicação em Portugal, salvo as edições com dois anos da Caras que encontramos em certos consultórios médicos!
A Gina passava então de grupo em grupo, ao longo de uns oitenta pares de olhos que bem às escondidas nos corredores dos pavilhões do parque, tinham finalmente as suas primeiras aulas de educação sexual!
E uma vez, quando um grupo de uns três ou quatro colegas chega ao pátio das traseiras do liceu com a última edição da Gina escondida dentro de um dossier escolar e nos junta a todos num grupo de mais de uma dezena, um dos rapazes solta um grito de admiração!
- É pá! Esta era a minha empregada!
Olhámos para ele estupefactos.
- Tanga! – gritámos em uníssono. – Está-se mesmo a ver!
- Juro! – replicou ele com um ar convincente – É a Manuela* ! Então eu não a conheço?! Foi minha empregada dois anos!
Olhámos para ele com ar de gozo.
- Conheces assim tão bem?!
- Não, parvos! Não assim tão bem! – explicou - Mas é ela, de certeza!
- E então onde ela está?! – perguntámos.
O Carlos* encolheu os ombros.- Não faço a mínima ideia! Ela saíu lá de casa há mais de um ano dizendo que tinha uma proposta para ir trabalhar para uma boutique na Amadora ou na Damaia, já não sei bem. E nunca mais a vi!
- Olha lá. – disse um com um ar mais malandro. - E a tua mãe não sabe? Podíamos ir visitá-la!
- A quem? Querem ir todos lá a casa perguntar?
- Não, estúpido! Podíamos ir visitar a tua empregada!
- Eu vou perguntar à minha mãe e amanhã digo-vos! – propõs o Carlos.
Olhámos para ele com ar de gozo!
- É pá! Vai é lá saber já! Achas que vamos ficar á espera até amanhã?!
O rapaz lá foi então a casa saber novidades. Voltou mais tarde com ar cabisbaixo.
- A minha mãe não ficou com nenhum contacto. Ela prometeu telefonar ou voltar para visitar-nos mas até agora nada!
- Chiça! – gritou um mais desanimado!
Foi um enorme desgosto para nós todos! Logo agora que poderíamos ter a chance de conhecer uma artista internacional!
Durante anos esse desgosto perseguiu-nos e, de vez em quando, relembrávamos o episódio com nostalgia e ainda alguma esperança.
De vez em quando algum dos meus amigos ainda me pergunta:
- Então pá! O Carlos já descobriu a empregada ou achas que ele sempre soube e escondeu-nos isso?
Eu sempre respondo com uma gargalhada.
- Não faço ideia! Mas por esta altura a mulher já estará na casa dos cinquenta! Se calhar já é avó!
E rimo-nos todos imaginando-a com os netos e escondendo o segredo do marido!
Mas que o desgosto de não a ter conhecido nos ficou, ai isso ficou!
Há uns anos atrás saíu uma reportagem sobre o fim da Gina. Ao fim de mais de trinta anos de dedicado serviço aos jovens imberbes deste país, a revista finalmente terminou. O seu editor jurou a pés juntos que o material vinha da Alemanha e que ele se limitava a fazer as traduções e a inventar legendas mais ousadas e que apesar da crença popular, nunca utilizou modelos portugueses.
Mas eu não acreditei! O tipo não parece ser de fiar! Cá para mim ele não quer ter problemas e esconde que algumas das artistas eram mesmo nacionais!
Não sei! O meu amigo parecia demasiado sincero! Talvez um dia ainda conheçamos a artista e arranjemos aquela edição para lhe pedir um autógrafo!
*Nome ficticio
Nota: Ler o texto de apoio ''As Memórias Gráficas da Mais Amada das Gina''
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