Por vezes perguntam-me se todas as minhas estórias são verdadeiras, eu respondo que sim, que faço absoluta questão nesse ponto. É essa condição que me torna aliciante este tipo de escrita em contraponto às escritas ficcionais.
Mas é também um factor extremamente limitativo, estou condicionado pela veracidade dos factos, como se não bastasse já as duas outras condicionantes às minhas crónicas, terem uma relação com a minha terra e reportarem a um determinado período de tempo muito específico, dez anos que vão de 1972 a 1982, a data da minha ida para Lisboa.
Farei apenas uma excepção a esta regra, pois os factos relatados são determinante para enquadrar a estória e dar-lhe sentido. Será na crónica com que fecharei este ciclo e terá o título ‘’O Fim da Adolescência’’.
A minha caricatura da autoria de Luis Anglin de Castro (obrigado Luis e Cristina e obrigado Teresa Lamy), que foi colocada à entrada do Sitio da Várzea na festa de sábado e foi uma boa partida que me foi pregada pela minha irmã Xinha e por alguns amigos queridos trouxe-me à memória uma outra caricatura, essa já com quarenta e quatro anos!
Em meados dos anos sessenta, nas longas noites de Verão, os meus pais frequentavam o Casino das Caldas e isso fazia com que eu por vezes tivesse que apanhar valentes secas a aguardar que acabasse o serão para poder regressar a casa. Um dia já desesperado de sono, gatinhei para baixo de uma mesa de jogo da canasta onde jogavam a minha mãe, a minha avó materna, a D.Laurinda Cardoso e a D. Maria da Natividade (avó do João e da Kika Gancho, do Pedro e da Ritinha Bernardo, do Miguel e do Ricardo Hipólito, entre outros netos) e decidi dar uma mordidela no tornozelo da minha mãe para lhe fazer ver que a minha birra era mesmo para levar a sério.
Não sei como aconteceu mas enganei-me na canela e acabei a morder o tornozelo da D. Maria da Natividade.
Um dos mais queridos e renomados artistas caldenses, o Dr. Leonel Cardoso antecipou o que iria acontecer na minha vida de peripécias. E arriscou editando uma caricatura e um poema a mim dedicados numa edição da Gazeta das Caldas onde durante tantos e tantos anos publicou semanalmente e desta forma humorística, uma dedicatória às mais ilustres personalidades caldenses.
Ficou assim para a posteridade e duma forma quase surpreendente, um retrato de um miúdo, praticamente anónimo, face à enorme notoriedade dos outros retratados.
Como poderão ler nos seus versos, já naquela altura, com dois ou três anos, eu não seria uma pêra doce, ao ponto de merecer um reparo no principal órgão de comunicação caldense!
E depois verifico que no blog dos Antigos Alunos do Colégio Ramalho Ortigão é dado grande ênfase a um Magusto efectuado em 1971 como momento alto de convívio entre os alunos do Colégio. E lá apareço eu, à socapa e como quem não quer a coisa, em três fotografias. Recordo-me que foi nesse Magusto realizado num casal entre a zona do Casal Belver e a Quinta da Boneca que provei pela primeira vez àgua-pé. Tinha sete anos!
Vocês viram o filme Forrest Gump com o Tom Hanks? Pois!
Falando agora a sério, na realidade eu não vivi mais estórias do que qualquer um de vós. Eu apenas as valorizo e faço delas uma elegia à vida e à amizade! Pensem nisso!
Voltando à crónica ‘’O Fim da Adolescência’’ esta será editada em três pequenas partes nos dias 10, 12 e 14 de Setembro e concluirá, como referi, o fim deste ciclo de crónicas.
Não que não haja mais estórias para contar, desde a estória da Biblioteca Gulbenkian do parque e de uma carrinha da biblioteca itinerante que acabou como nosso principal ponto de namoro à porta de uma conhecida discoteca; às estórias do segundo andar do Diogo Sampaio Guimarães; ao segundo sótão do Kiko e ao relato das passagens pelas Caldas da conhecida actriz Alexandra Lencastre e da cantora Ana Deus (ex. Ban, ex. Três Tristes Tigres); do inicio da prática de Baseball e do Windsurf nas praias da Foz e ao dia em que nos idos de 1977 mulheres nuas desfilaram pelas Ruas das Montras; até aquele dia em que um famoso actor de telenovela brasileira dos tempos do Bem Amado e de Dancin Days, me sai pela porta da casa de banho lá de casa, ainda molhado por um duche acabado de tomar, perante a estupefacção de toda a minha família que não conhecia o homem senão da televisão, nem sabia como é que raio ele teria entrado lá em casa!
São outras estórias mirabolantes que ficarão para outra altura!
Agora é tempo de descansar, de um ritmo constante e quase diário da escrita, de ter mais disponibilidade para a família, de no pouco tempo livre viver mais tempo para o presente do que para recordar o passado.
Mais tarde voltarei com mais um novo ciclo de crónicas mas sem a exigência a que me auto-impus de editar crónicas ao ritmo necessário para manter o vosso interesse neste espaço. Vejam isto como as temporadas das séries americanas. Agora vai acabar a primeira temporada e mais tarde, se houver audiência que o justifique, será transmitida a segunda temporada.
Logo no inicio da criação deste grupo fiz um apelo para a participação de todos. Como referi então, eu não participei em todas as vivências, não tenho todas as memórias. Não posso recordar locais, pessoas e factos que não conheci mas que existiram. Nem tão pouco quero relatar factos de que ouvi falar ou de que me falam mas que não vivi.
As minhas memórias são apenas uma fracção de como se vivia naquele tempo. Insuficientes contudo para gerar um retrato completo daquela geração. Compete a vós ir completando a estória e escrever a História.
Já somos mais de 600! Se todos escreverem um único texto, derem testemunho de apenas um facto, lembrarem uma só pessoa que mereça ser recordada, então poderemos manter este grupo por mais dez anos.
Agora passo esse testemunho, não a outro mas a todos vós. Bastará uma estória por semana, façam uma a cada 10 anos, e o grupo e o que ele representa, não morrerá! O movimento de reunião, de aglutinação, de pacificação, de compreensão, que encetámos aqui, não pode parar. Vocês sabem disso!
Eu não peço muito, todos têm certamente estórias engraçadas para contar, amigos para recordar. Não é importante que escrevam bem ou que não dêem erros. O que importa é o conteúdo, não a forma. O importante é não deixarem este espaço morrer. Seria uma pena!
Pensem na nossa Festa, quase 900 amigos em celebração, pensem em todas aquelas emoções que sentimos durante aquela noite. Quando falei em ser uma noite mágica pensei na magia que estaria no ar e que a maior parte de nós iria apanhar. Para alguns foi apenas mais uma noite, talvez tenham já perdido um pouco da sua inocência, talvez precisem de voltar a ser Peter Pan, lembrarem-se da genuinidade dos seus afectos em criança e na juventude. Talvez tenham deixado que a vida adulta lhes tenha tirado por ora a magia. Mas ela vai voltar, certamente e através da convivência neste espaço.
Se tudo correr bem, se o grupo começar a interagir e houver maior participação então este espaço sobreviverá facilmente à ausência das minhas crónicas e se viermos a constatar que este espaço realmente nos importa, então ainda voltarei a tempo com um novo ciclo de crónicas e quem sabe, poderemos vir a ter uma festa ainda maior no próximo ano. Ideias não me faltam! Eu prometo!
Quero agradecer sobretudo à Cláudia Tonelo, ao Albano, à Élia, à Sissi, ao João Paulo Feliciano, à Luisa Pires, ao António Vidigal, à Lena Mendes, ao Nuno Aniceto (Parrila), à Maria João Menino, ao Tó Castro, ao Paulo Arnaldo e a todos os que têm colaborado activamente neste espaço.
Obrigado a todos por terem estado comigo nesta aventura.
No sábado houve magia no ar e ela foi criada por todos nós que partilhámos aquele momento!
Paulo Caiado
Onde quer que nos encontremos,
são os nossos amigos
que constituem o nosso mundo.
William James
LEONEL CARDOSO
Leonel de Parma Cardoso
Licenciado em Ciências Económicas e Financeiras, nasceu a 9 de Setembro de 1898, em Caldas da Rainha. Durante quase toda a sua vida, marcada pela longevidade, exerceu fecunda e heterogénea actividade artística, que se desenvolveu em duas vertentes principais letras e artes plásticas. O seu primeiro contacto com o público data de Setembro de 1917 numa exposição de Caricaturas nas Caldas da Rainha a que se seguirão muitas outras individuais e colectivas. E de salientar o seu poder imaginativo que se revela através da criação de numerosas figuras de Cerâmica que reflectem a influência do meio em que nasceu. O Humorismo é uma constante na sua obra expressa sobretudo na caricatura.
…
Não, isto não basta!
Terei que dizer que o Dr. Leonel Cardoso e a sua esposa D. Laurinda eram dos maiores amigos dos meus avôs maternos e foram sempre extremamente afectuosos comigo.
E que esse carinho continuou através dos seus filhos e respectivos cônjuges, o Almirante Leonel Cardoso e a minha querida Dôdô que sempre me telefona pelos anos e que mesmo quando vivia em Londres não se esquecia de me trazer os meus gatinhos e carrinhos de chocolate, o seu filho Néné que me ensinou também a jogar ténis e o General Pedro Cardoso e a Teresinha de quem nunca vi sem um sorriso nos lábios, o que aliás o seu filho, o nosso querido e saudoso Pedro herdou, a Zitinha e o Jorge Sottomayor, o mais bonito par do casino e o seu filho Luis Miguel (Gé-Gé para os amigos), um grande amigo e um dos meus primeiros professores de ténis.
Uma família atingida por constantes infortúnios mas sempre mantendo um sorriso nos lábios para receber e confortar os amigos. Uma família, um nome, que honra o país, as Caldas e a nós seus amigos.
1 comentário:
Lembro-me como se fosse hoje. A água-pé estava boa.
Eu estava sentado, de óculos, o Paulo Correia e à minha frente de pé o meu irmão o Luís Correia.
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