Eu sabia que deveria haver alguma razão para que nos tempos da primária eu e alguns colegas do Colégio Ramalho Ortigão nos escapássemos para a sala onde se faziam as hóstias e nos atafulhássemos com as aparas e com hóstias não consagradas.
Nos anos setenta a busca pela espiritualidade deu-me forte.
Não que fosse adepto das leituras dos guias do Lobsang Rampa que enchiam os escaparates da montra da Jornália, nem que fosse particularmente influenciado pelos Meninos de Deus que pululavam na Rua das Montras, a distribuir bandas desenhadas que falavam do Pai David e tratando-me por Bhaiya (irmão) (e eu a olhar para as louras alemãs e logo a pensar ‘’Irmão, o caraças que tu com um banhinho decente em cima...!’’)
- Ó minha Rani até te levava para um Parikrama! (um género de passeio p’ró divino!)
E foi assim que segundo os historiadores começou oficialmente o Flirty Fishing*!
(vão à wikipédia que eu agora não tenho tempo para vos explicar, mas olhem que é muito interessante!)
À falta de um Samadhi ou uma revelação divina (ou um placar em néon!) que me levasse a encontrar um caminho. Decidi saciar a minha forte necessidade de encontrar um caminho, indo a todas as missas quanto possíveis. Estes factos já os relatei anteriormente mas agora aqui vão devidamente integrados no seu contexo. Em pouco tempo fiquei não só a saber todas as rezas do Pároco como as bisbilhotices mais interessantes cá do burgo!
- Ai mana, sabe que anda um professor lá pelo liceu, um tal de ‘’Borboleta’’, a distribuir preservativos nas suas aulas e levou uma boneca daquelas onde se aprende a fazer respiração boca-a-boca mas parece que a utilizou para ensinar a beijar?!’’
E a mana a persignar-se!
(se querem saber a diferença entre benzer-se e persignar-se aconselho-vos o curso para acólitos aos sábados de manhã na Igreja Paroquial)
- Cruz Credo! E o homem não foi expulso!!?? Ao que isto chegou!
- ‘Tava-se mesmo a ver! Um liceu no meio do parque, o que é que podiam esperar? Aquilo é um antro! Um antro!!!
E as ‘’noticias’’ sucediam-se metodicamente ao ritmo de cada missa dando-me uma excelente perspectiva de um desconhecido quotidiano caldense.
Passado um tempo e vendo-me o Padre Guerra em tamanha devoção, ocupando sistematicamente a primeira fila da missa, decidiu convidar-me para ajudar à missa como acólito. Desconhecia que para ser acólito era necessário tirar um curso e torci logo o nariz à ideia de ter mais uma cena para estudar mas era tarde demais e já não podia voltar atrás. Frequentei o curso e tirei o diploma com a brilhante nota de 16 valores só ultrapassado pelo devoto Zé Ricardo que já nessa altura se revelava um estudioso à altura!
(Recordo –me ainda da primeira pergunta:
- Olha lá, tu rezas antes de comeres? – picou-me o acólito-mor.
- Não, q’a minha mãe é uma boa cozinheira! – atirei-lhe eu.)
As coisas até que começaram bem. Lá ia fazendo a minhas quatro missitas por dia mais uns baptizadozitos e casamentos e os domingos iam passando.
Numa manhã as coisas começaram a descarrilar! Não sei porque carga d’água mas em vez de encher o jarrito do galheteiro com o vinho de mesa, troquei-o e enchi-o de vinagre de vinho tinto. Podem imaginar o tamanho da careta que o Padre Guerra fez em plena missa do meio-dia!
Mas o homem era um santo e escapei com uma pequena advertência. Mas a coisa pôs-me nervoso!
No domingo seguinte, de novo na missa do meio-dia, venho com o galheteiro todo lampeiro para o altar, quando piso a minha própria túnica, dou um enorme tropeção e o galheteiro voou pelos ares para aterrar em completo ‘’estol’’ na mesa do altar!
Minha Santa Maria da Feira!
Fez-se um silêncio sepulcral na igreja, eu devo ter corado mais do que a pobre da Teresa Miguel das Doce quando lhe caiu o cai-cai de pele de leopardo no palco, em pleno Burlão e no meio do ‘’Uma da manhã, ei! Bem bom, duas da manhã, ei…’’ .
(Era por essa e por outras que chamávamos àquela peça de vestuário os ‘’tomara que caia!’’)
Enfim uma experiência única mas que teria sido mais esclarecedora se a protagonista fosse a Lena Coelho!
Por fim, o Padre Guerra com ar zangado e sobrancelhas franzidas, lá prosseguiu com a missa, enquanto eu me escapulia para o canto que dava para a porta da sacristia.
E foi assim o fim da minha carreira de acólito na igreja das Caldas. Mais um grande talento desperdiçado por falta de condições de trabalho!
Mas eu não me dei por vencido e alguns meses depois, lá estava eu de comboio a caminho de Coimbra com mais um grupo de jovens bem-intencionados e prontos a mergulhar num novo momento de grande espiritualidade.
Juntámo-nos os manos lá de casa, mais os primos de Setúbal, e mais uns tantos amigos das Caldas (que eu não nomeio aqui porque são pais e mães de familia e não os quero embaraçar!), um grupo do Estoril e outro da Figueira todos rumo a Coimbra, Seminário Velho, para fazer um Retiro de Jovens. (Tipo Verão Azul mas sem as bicicletas, nem a praia, nem a banda sonora, nem a professora, nem a traineira em cima da falésia, nem… enfim, perceberam a ideia!).
O comboio levou-nos até à bifurcação de Lares (ou coisa que o valha!) e depois tomámos outro comboio rumo a Coimbra B. À nossa espera um grupo de amigos habituais das férias nas Caldas, mas que viviam em Coimbra, e os dois casais organizadores do Retiro.
Primeiro dia, sessão de trabalho, jantar frugal com os frades franciscanos e recolha às celas individuais para meditação.
(momento de pausa para meditação)
Estava-se mesmo a ver!
Não sei quem foi o culpado (eu não fui!!!) mas um dos rapazes saiu da sua cela e pé ante pé foi batendo às portas de cada uma das celas dos rapazes e desafiou-nos para irmos fumar um cigarrito ao claustro! Depois até algumas das raparigas se juntaram a nós e acabámos a escapar pelas traseiras para ir ao Raul das Tostas comer tostas de galinha e penalties de vinho verde à pressão para compensar o jantar dos frades.
Palavra puxa palavra, mãozinha puxa mãozinha, uma coisa leva a outra, a Ladeira do Seminário leva ao rio e a ponte da Portagem levou-nos ao Scotch. Finalmente entrámos em êxtase! O Scotch era a melhor discoteca de Coimbra e fez mais pelas nossas relações de grupo que todas aquelas horas da tarde!
Eram altas horas quando regressámos e subimos devagarinho, pé ante pé, as escadarias que nos levariam de volta às celas. Chegámos a tirar os sapatos para que os tacões não ressoassem na pedra de granito.
Nisto, quando estávamos a chegar a um dos patamares, salta-nos vindo do nada um frade com o hábito franciscano.
Ai Minha Nossa Senhora, apanhámos o maior cagaço das nossas vidas!
- Ai Pecadores! Estais perdidos! – gritou ele visivelmente furioso. (juro que é verdade!) – Como ousais?
Agarra-nos pelos pulsos e toca de levar toda a gente para a sala do refeitório. Mandou-nos esperar quietinhos que iria chamar o Frade Superior e os adultos laicos responsáveis pela organização do retiro. Começamos a rezar a todos os santinhos nossos conhecidos (Santo António dos Cavaleiros, São Bartolomeu de Messines, São João do Estoril, …).
Esperámos uma hora até que os civis chegassem e formou-se um verdadeiro conclave, mais, um verdadeiro tribunal da Inquisição. Aonde foram? O que fizeram? Não têm vergonha? Ao menos estão arrependidos?
O Frade Superior era um velho bondoso e compreensivo e estava pronto a relevar o incidente mas o raio de um outro frade mais jovem e mais ortodoxo fez de Torquemada e estava decidido a convencê-lo a expulsar-nos e terminar o retiro de imediato.
Valeu-nos a compreensão e solidariedade do casal organizador para convencer o Frade Superior a dar-nos mais uma oportunidade para que o retiro não terminasse por ali.
E assim, após uma noite mal dormida, na manhã seguinte reunimo-nos ao pequeno-almoço no refeitório do Convento e lá iniciámos mais uma manhã de discussão, oração, trabalhos de grupo e meditação. Após o almoço era tempo de recolhermos de novo às nossas celas para meditar sobre os nossos actos e o caminho que queríamos levar para a vida!
(nova pausa para meditação)
Eu juro pela santinha que não fui eu!
Eu até estava a dormitar na camita para recuperar a noite mal dormida e curar-me da ressaca das Cuba Libres e dos penalties emborcados!
Nisto ouço bater à porta e eram os do Estoril encabeçados pelo Vasco Sampaio que com ar de gozo cheio de cumplicidade entram-me pela cela dentro.
- ‘Bora lá bater uma poquerada! – Disse um deles. – Temos cartas e sacámos umas pedritas dos vasos.
Ainda nem eu tivera tempo para me recompor e já as cartas estavam sobre a cama e distribuídas entre todos.
Não demorou muito para que perante as nossas gargalhadas e exclamações os outros se juntassem e o caldo ficou outra vez entornado!
Lá apareceu de novo o Torquemada e desta vez nem São João da Pesqueira nos safou!
Acabou-se logo o retiro. Fomos todos despachados para casa no primeiro comboio a partir de Coimbra!
Passaram-se uns meses e na praia da Foz julguei ter finalmente encontrado a espiritualidade nas mãos de uma moçoila dinamarquesa que se interessou muito pelo meu Yang e adorava estudar os meus chakras, particularmente o manipura! O problema é que há boa maneira nórdica trazia com ela dois espanadores por baixo dos braços e como fazia campismo a higiene não devia ser muita. Um dia fomos ao Green Hill e quando começámos a dançar slows escapou-me:
- Du tust parfüm Schneewittchen. Nicht du? (Tu usas perfume Branca de Neve, não usas?)
- Wie Sie entdeckt? (Como soubeste?)
- Sie haben einen kleinen Zwerg unter den Arm getötet! (Deves ter um anãozinho morto por baixo do braço!)
Assim, foi sol de pouca dura e estava a começar a desesperar com o meu Karma!
Chegámos a Setembro e a família partiu para o Algarve.
Ao fim do primeiro dia conhecemos um casal e os seus filhos. E adivinhem? O pai de família era médium e fazia sessões espíritas!
- Começamos bem! - Pensei eu para os meus botões!
O fulano levava a cena bem a sério. Fazia espiritismo nas horas vagas mas com tanto entusiasmo e devoção que à partida para as suas férias anuais, aconchegava toda a família mais a bagagem no seu pequeno Mini e atava a sua mesa de pé de galo ao tejadilho da bomba.
Dá para imaginar a cena do Mini pelo Alentejo abaixo com quatro marmanjos e uma mesa atada ao tejadilho de pernas para cima!
Logo nessa tarde fomos informados que iria ser realizada uma sessão espírita em casa dos nossos novos amigos mas que estes estavam mais interessados em ir para a discoteca e eram os seus pais que se juntariam com mais dois casais de meia-idade.
O meu primo Bernardo, sempre pronto para a galhofa perguntou logo se poderíamos participar pois éramos muito crentes!
O casal olhou-nos com desconfiança mas perante a seriedade simulada do Bernardo lá nos deram autorização para irmos lá a casa.
Como imaginávamos, os nossos amigos tinham-se baldado para a discoteca e fomos recebidos pelos seis outros participantes na sessão.
Sentaram-nos à volta da famosa mesa. Tinham posto a sala às escuras e apenas uma vela acesa no centro da mesa iluminava a divisão. O médium fecha os olhos e começa a entrar em transe pedindo-nos que fechássemos igualmente os olhos e que déssemos as mãos. Foi o princípio do fim!
Comecei a espreitar por um olho mal fechado e vi o Bernardo à minha frente também a olhar por uma nesga de um olho e de mãos dadas com um dos casais. Os dois começámos a tentar conter um quase incontrolável riso.
O espírita pediu-nos para fazer força, muita força de mente e eu fiz tanta força como um alferes-miliciano com prisão de ventre!
O médium abriu os olhos e reprovou:
- Estão na sala alguns descrentes! Enquanto aqui estiverem o espírito não virá!
-Ah pois! – Contestou o meu primo – Se ele não vem, então é que nunca acreditaremos mesmo!
E desatámo-nos os dois a rir a bandeiras despregadas.
Como podem imaginar fomos convidados ‘’cordialmente’’ a sair da casa e perdi a minha chance de encontrar um sinal.
Não desisti e no regresso às aulas ingressei na Católica. Pensei que aí eu poderia estar mais perto de encontrar a tão ansiada espiritualidade.
As coisas pareciam bem encaminhadas quando na praxe é eleita Miss Católica uma bela ruiva de olhos verdes que estava na minha turma.
Perante aquela nomeação e a beleza da personagem julguei eu que ela teria certamente encarnado algo divino (nesse tempo silicone, o botox e a lipoaspiração ainda eram coisas do futuro!)!
Fiz-lhe os rituais de idolatração, ofereci-lhe incenso, mirra e ouro (tá bem, eram Brise e Ferrero Rocher mas tiveram o mesmo efeito!), dediquei-lhe alguns mantras e começamos a namorar. Durante um ano lectivo procurei arduamente saciar a minha busca pela espiritualidade mas infelizmente os únicos sinais que recebi foram o de beco sem saída e o de inversão de marcha!
Se havia umas luzes na Católica elas estavam meio fundidas e fui encontrar maior iluminação no Farol em Cascais e no Archote ao Arco do Cego!
Mas persistência é o meu mote!
Uma amiga muito dada a estas coisas do Yin e Yang disse-me para eu parar de procurar a espiritualidade nas coisas externas mas olhasse para o meu interior, para o meu innermost being.
Ok. Mas como iria eu fazer isso? Com uma sonda? Um duplo J? Um laparoscópio?
- Meu São Brás de Alportel! A procura iria ser mais dolorosa do que eu previa!
Felizmente alguns acontecimentos na minha vida vieram em meu auxílio. No decorrer dos anos seguintes fui sujeito a uma série de cirurgias em diferentes partes do corpo e ao acordar de cada anestesia invariavelmente perguntava ao cirurgião se tinha encontrado algo estranho.
Nada! Nicles batatoide! Agora só me faltava mesmo verificar nos pés. E até podia ser que estivesse por aí. Que a minha espiritualidade se encontrasse nos meu pés. Estava certo que o mesmo acontecia com o Cristiano Ronaldo, como a espiritualidade do Jardel estava na cabeça, a do Roger Federer está nos braços e a do Zé Castelo-Branco está no…, enfim!
Desde então tenho procurado a espiritualidade em todo o lado, já fui ao Budha Bar, conheci os Santos & Pecadores, os Anjos (mas foi com as Tentações que me senti mais perto de encontrar o sentido da vida), fui à Catedral da Luz ver o Jesus e até fui à repartição do BES do Burlão! E até agora nada!
Minha Santa Kshanti!
Não desisto. Continuarei a procurar a minha espiritualidade. Um dia vou encontrá-la e convidá-la para tomar um copo.
Ainda nos vamos rir os dois!
Nos anos setenta a busca pela espiritualidade deu-me forte.
Não que fosse adepto das leituras dos guias do Lobsang Rampa que enchiam os escaparates da montra da Jornália, nem que fosse particularmente influenciado pelos Meninos de Deus que pululavam na Rua das Montras, a distribuir bandas desenhadas que falavam do Pai David e tratando-me por Bhaiya (irmão) (e eu a olhar para as louras alemãs e logo a pensar ‘’Irmão, o caraças que tu com um banhinho decente em cima...!’’)
- Ó minha Rani até te levava para um Parikrama! (um género de passeio p’ró divino!)
E foi assim que segundo os historiadores começou oficialmente o Flirty Fishing*!
(vão à wikipédia que eu agora não tenho tempo para vos explicar, mas olhem que é muito interessante!)
À falta de um Samadhi ou uma revelação divina (ou um placar em néon!) que me levasse a encontrar um caminho. Decidi saciar a minha forte necessidade de encontrar um caminho, indo a todas as missas quanto possíveis. Estes factos já os relatei anteriormente mas agora aqui vão devidamente integrados no seu contexo. Em pouco tempo fiquei não só a saber todas as rezas do Pároco como as bisbilhotices mais interessantes cá do burgo!
- Ai mana, sabe que anda um professor lá pelo liceu, um tal de ‘’Borboleta’’, a distribuir preservativos nas suas aulas e levou uma boneca daquelas onde se aprende a fazer respiração boca-a-boca mas parece que a utilizou para ensinar a beijar?!’’
E a mana a persignar-se!
(se querem saber a diferença entre benzer-se e persignar-se aconselho-vos o curso para acólitos aos sábados de manhã na Igreja Paroquial)
- Cruz Credo! E o homem não foi expulso!!?? Ao que isto chegou!
- ‘Tava-se mesmo a ver! Um liceu no meio do parque, o que é que podiam esperar? Aquilo é um antro! Um antro!!!
E as ‘’noticias’’ sucediam-se metodicamente ao ritmo de cada missa dando-me uma excelente perspectiva de um desconhecido quotidiano caldense.
Passado um tempo e vendo-me o Padre Guerra em tamanha devoção, ocupando sistematicamente a primeira fila da missa, decidiu convidar-me para ajudar à missa como acólito. Desconhecia que para ser acólito era necessário tirar um curso e torci logo o nariz à ideia de ter mais uma cena para estudar mas era tarde demais e já não podia voltar atrás. Frequentei o curso e tirei o diploma com a brilhante nota de 16 valores só ultrapassado pelo devoto Zé Ricardo que já nessa altura se revelava um estudioso à altura!
(Recordo –me ainda da primeira pergunta:
- Olha lá, tu rezas antes de comeres? – picou-me o acólito-mor.
- Não, q’a minha mãe é uma boa cozinheira! – atirei-lhe eu.)
As coisas até que começaram bem. Lá ia fazendo a minhas quatro missitas por dia mais uns baptizadozitos e casamentos e os domingos iam passando.
Numa manhã as coisas começaram a descarrilar! Não sei porque carga d’água mas em vez de encher o jarrito do galheteiro com o vinho de mesa, troquei-o e enchi-o de vinagre de vinho tinto. Podem imaginar o tamanho da careta que o Padre Guerra fez em plena missa do meio-dia!
Mas o homem era um santo e escapei com uma pequena advertência. Mas a coisa pôs-me nervoso!
No domingo seguinte, de novo na missa do meio-dia, venho com o galheteiro todo lampeiro para o altar, quando piso a minha própria túnica, dou um enorme tropeção e o galheteiro voou pelos ares para aterrar em completo ‘’estol’’ na mesa do altar!
Minha Santa Maria da Feira!
Fez-se um silêncio sepulcral na igreja, eu devo ter corado mais do que a pobre da Teresa Miguel das Doce quando lhe caiu o cai-cai de pele de leopardo no palco, em pleno Burlão e no meio do ‘’Uma da manhã, ei! Bem bom, duas da manhã, ei…’’ .
(Era por essa e por outras que chamávamos àquela peça de vestuário os ‘’tomara que caia!’’)
Enfim uma experiência única mas que teria sido mais esclarecedora se a protagonista fosse a Lena Coelho!
Por fim, o Padre Guerra com ar zangado e sobrancelhas franzidas, lá prosseguiu com a missa, enquanto eu me escapulia para o canto que dava para a porta da sacristia.
E foi assim o fim da minha carreira de acólito na igreja das Caldas. Mais um grande talento desperdiçado por falta de condições de trabalho!
Mas eu não me dei por vencido e alguns meses depois, lá estava eu de comboio a caminho de Coimbra com mais um grupo de jovens bem-intencionados e prontos a mergulhar num novo momento de grande espiritualidade.
Juntámo-nos os manos lá de casa, mais os primos de Setúbal, e mais uns tantos amigos das Caldas (que eu não nomeio aqui porque são pais e mães de familia e não os quero embaraçar!), um grupo do Estoril e outro da Figueira todos rumo a Coimbra, Seminário Velho, para fazer um Retiro de Jovens. (Tipo Verão Azul mas sem as bicicletas, nem a praia, nem a banda sonora, nem a professora, nem a traineira em cima da falésia, nem… enfim, perceberam a ideia!).
O comboio levou-nos até à bifurcação de Lares (ou coisa que o valha!) e depois tomámos outro comboio rumo a Coimbra B. À nossa espera um grupo de amigos habituais das férias nas Caldas, mas que viviam em Coimbra, e os dois casais organizadores do Retiro.
Primeiro dia, sessão de trabalho, jantar frugal com os frades franciscanos e recolha às celas individuais para meditação.
(momento de pausa para meditação)
Estava-se mesmo a ver!
Não sei quem foi o culpado (eu não fui!!!) mas um dos rapazes saiu da sua cela e pé ante pé foi batendo às portas de cada uma das celas dos rapazes e desafiou-nos para irmos fumar um cigarrito ao claustro! Depois até algumas das raparigas se juntaram a nós e acabámos a escapar pelas traseiras para ir ao Raul das Tostas comer tostas de galinha e penalties de vinho verde à pressão para compensar o jantar dos frades.
Palavra puxa palavra, mãozinha puxa mãozinha, uma coisa leva a outra, a Ladeira do Seminário leva ao rio e a ponte da Portagem levou-nos ao Scotch. Finalmente entrámos em êxtase! O Scotch era a melhor discoteca de Coimbra e fez mais pelas nossas relações de grupo que todas aquelas horas da tarde!
Eram altas horas quando regressámos e subimos devagarinho, pé ante pé, as escadarias que nos levariam de volta às celas. Chegámos a tirar os sapatos para que os tacões não ressoassem na pedra de granito.
Nisto, quando estávamos a chegar a um dos patamares, salta-nos vindo do nada um frade com o hábito franciscano.
Ai Minha Nossa Senhora, apanhámos o maior cagaço das nossas vidas!
- Ai Pecadores! Estais perdidos! – gritou ele visivelmente furioso. (juro que é verdade!) – Como ousais?
Agarra-nos pelos pulsos e toca de levar toda a gente para a sala do refeitório. Mandou-nos esperar quietinhos que iria chamar o Frade Superior e os adultos laicos responsáveis pela organização do retiro. Começamos a rezar a todos os santinhos nossos conhecidos (Santo António dos Cavaleiros, São Bartolomeu de Messines, São João do Estoril, …).
Esperámos uma hora até que os civis chegassem e formou-se um verdadeiro conclave, mais, um verdadeiro tribunal da Inquisição. Aonde foram? O que fizeram? Não têm vergonha? Ao menos estão arrependidos?
O Frade Superior era um velho bondoso e compreensivo e estava pronto a relevar o incidente mas o raio de um outro frade mais jovem e mais ortodoxo fez de Torquemada e estava decidido a convencê-lo a expulsar-nos e terminar o retiro de imediato.
Valeu-nos a compreensão e solidariedade do casal organizador para convencer o Frade Superior a dar-nos mais uma oportunidade para que o retiro não terminasse por ali.
E assim, após uma noite mal dormida, na manhã seguinte reunimo-nos ao pequeno-almoço no refeitório do Convento e lá iniciámos mais uma manhã de discussão, oração, trabalhos de grupo e meditação. Após o almoço era tempo de recolhermos de novo às nossas celas para meditar sobre os nossos actos e o caminho que queríamos levar para a vida!
(nova pausa para meditação)
Eu juro pela santinha que não fui eu!
Eu até estava a dormitar na camita para recuperar a noite mal dormida e curar-me da ressaca das Cuba Libres e dos penalties emborcados!
Nisto ouço bater à porta e eram os do Estoril encabeçados pelo Vasco Sampaio que com ar de gozo cheio de cumplicidade entram-me pela cela dentro.
- ‘Bora lá bater uma poquerada! – Disse um deles. – Temos cartas e sacámos umas pedritas dos vasos.
Ainda nem eu tivera tempo para me recompor e já as cartas estavam sobre a cama e distribuídas entre todos.
Não demorou muito para que perante as nossas gargalhadas e exclamações os outros se juntassem e o caldo ficou outra vez entornado!
Lá apareceu de novo o Torquemada e desta vez nem São João da Pesqueira nos safou!
Acabou-se logo o retiro. Fomos todos despachados para casa no primeiro comboio a partir de Coimbra!
Passaram-se uns meses e na praia da Foz julguei ter finalmente encontrado a espiritualidade nas mãos de uma moçoila dinamarquesa que se interessou muito pelo meu Yang e adorava estudar os meus chakras, particularmente o manipura! O problema é que há boa maneira nórdica trazia com ela dois espanadores por baixo dos braços e como fazia campismo a higiene não devia ser muita. Um dia fomos ao Green Hill e quando começámos a dançar slows escapou-me:
- Du tust parfüm Schneewittchen. Nicht du? (Tu usas perfume Branca de Neve, não usas?)
- Wie Sie entdeckt? (Como soubeste?)
- Sie haben einen kleinen Zwerg unter den Arm getötet! (Deves ter um anãozinho morto por baixo do braço!)
Assim, foi sol de pouca dura e estava a começar a desesperar com o meu Karma!
Chegámos a Setembro e a família partiu para o Algarve.
Ao fim do primeiro dia conhecemos um casal e os seus filhos. E adivinhem? O pai de família era médium e fazia sessões espíritas!
- Começamos bem! - Pensei eu para os meus botões!
O fulano levava a cena bem a sério. Fazia espiritismo nas horas vagas mas com tanto entusiasmo e devoção que à partida para as suas férias anuais, aconchegava toda a família mais a bagagem no seu pequeno Mini e atava a sua mesa de pé de galo ao tejadilho da bomba.
Dá para imaginar a cena do Mini pelo Alentejo abaixo com quatro marmanjos e uma mesa atada ao tejadilho de pernas para cima!
Logo nessa tarde fomos informados que iria ser realizada uma sessão espírita em casa dos nossos novos amigos mas que estes estavam mais interessados em ir para a discoteca e eram os seus pais que se juntariam com mais dois casais de meia-idade.
O meu primo Bernardo, sempre pronto para a galhofa perguntou logo se poderíamos participar pois éramos muito crentes!
O casal olhou-nos com desconfiança mas perante a seriedade simulada do Bernardo lá nos deram autorização para irmos lá a casa.
Como imaginávamos, os nossos amigos tinham-se baldado para a discoteca e fomos recebidos pelos seis outros participantes na sessão.
Sentaram-nos à volta da famosa mesa. Tinham posto a sala às escuras e apenas uma vela acesa no centro da mesa iluminava a divisão. O médium fecha os olhos e começa a entrar em transe pedindo-nos que fechássemos igualmente os olhos e que déssemos as mãos. Foi o princípio do fim!
Comecei a espreitar por um olho mal fechado e vi o Bernardo à minha frente também a olhar por uma nesga de um olho e de mãos dadas com um dos casais. Os dois começámos a tentar conter um quase incontrolável riso.
O espírita pediu-nos para fazer força, muita força de mente e eu fiz tanta força como um alferes-miliciano com prisão de ventre!
O médium abriu os olhos e reprovou:
- Estão na sala alguns descrentes! Enquanto aqui estiverem o espírito não virá!
-Ah pois! – Contestou o meu primo – Se ele não vem, então é que nunca acreditaremos mesmo!
E desatámo-nos os dois a rir a bandeiras despregadas.
Como podem imaginar fomos convidados ‘’cordialmente’’ a sair da casa e perdi a minha chance de encontrar um sinal.
Não desisti e no regresso às aulas ingressei na Católica. Pensei que aí eu poderia estar mais perto de encontrar a tão ansiada espiritualidade.
As coisas pareciam bem encaminhadas quando na praxe é eleita Miss Católica uma bela ruiva de olhos verdes que estava na minha turma.
Perante aquela nomeação e a beleza da personagem julguei eu que ela teria certamente encarnado algo divino (nesse tempo silicone, o botox e a lipoaspiração ainda eram coisas do futuro!)!
Fiz-lhe os rituais de idolatração, ofereci-lhe incenso, mirra e ouro (tá bem, eram Brise e Ferrero Rocher mas tiveram o mesmo efeito!), dediquei-lhe alguns mantras e começamos a namorar. Durante um ano lectivo procurei arduamente saciar a minha busca pela espiritualidade mas infelizmente os únicos sinais que recebi foram o de beco sem saída e o de inversão de marcha!
Se havia umas luzes na Católica elas estavam meio fundidas e fui encontrar maior iluminação no Farol em Cascais e no Archote ao Arco do Cego!
Mas persistência é o meu mote!
Uma amiga muito dada a estas coisas do Yin e Yang disse-me para eu parar de procurar a espiritualidade nas coisas externas mas olhasse para o meu interior, para o meu innermost being.
Ok. Mas como iria eu fazer isso? Com uma sonda? Um duplo J? Um laparoscópio?
- Meu São Brás de Alportel! A procura iria ser mais dolorosa do que eu previa!
Felizmente alguns acontecimentos na minha vida vieram em meu auxílio. No decorrer dos anos seguintes fui sujeito a uma série de cirurgias em diferentes partes do corpo e ao acordar de cada anestesia invariavelmente perguntava ao cirurgião se tinha encontrado algo estranho.
Nada! Nicles batatoide! Agora só me faltava mesmo verificar nos pés. E até podia ser que estivesse por aí. Que a minha espiritualidade se encontrasse nos meu pés. Estava certo que o mesmo acontecia com o Cristiano Ronaldo, como a espiritualidade do Jardel estava na cabeça, a do Roger Federer está nos braços e a do Zé Castelo-Branco está no…, enfim!
Desde então tenho procurado a espiritualidade em todo o lado, já fui ao Budha Bar, conheci os Santos & Pecadores, os Anjos (mas foi com as Tentações que me senti mais perto de encontrar o sentido da vida), fui à Catedral da Luz ver o Jesus e até fui à repartição do BES do Burlão! E até agora nada!
Minha Santa Kshanti!
Não desisto. Continuarei a procurar a minha espiritualidade. Um dia vou encontrá-la e convidá-la para tomar um copo.
Ainda nos vamos rir os dois!
Chris Rea - Puppet singing Tell Me There's A Heaven
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