quinta-feira, 6 de maio de 2010

O PIOLHO E AS REPRISES


Durante os anos setenta os dois únicos cinemas nas Caldas eram o Cine-Teatro Pinheiro Chagas na Praça do Peixe (5 de Outubro) e o Salão Ibéria no Parque, ao lado dos pavilhões do Liceu.

As noites de estreia do Pinheiro Chagas (estreia é um eufemismo já que os filmes estreavam-se meses depois de Lisboa!), eram muito concorridas, sobretudo as dirigidas ao público infantil ou juvenil. Lembro-me de já nessa altura irmos em grupo adquirir os bilhetes aos 15 e 20 e tomarmos posse de uma fila inteira!

As sessões durante o Carnaval eram memoráveis com todo o público mascarado e confetes e serpentinas a voarem pelos ares!

Nessas sessões viradas para toda a família como os filmes do Herbie, o ‘’Hello Dolly’’ e o ‘’Dr. Doolitle’’, ‘’A Canção da Noruega’’ ou ‘’Música no Coração’’, sentávamo-nos na plateia ou nos camarotes familiares sendo que um dos camarotes centrais eram ocupados invariavelmente por duas amigas de sempre com os seus pais. Não sei quem era mais invejado, se elas por ficarem nos melhores lugares se nós por podermos estar entre os amigos no forrobodó da plateia!

Nas tardes sossegadas de fim de semana, invariavelmente o meu grupo do ténis voltava dos courts do parque e subíamos à Praça do Peixe contando os tostões. Com 5 escudos conseguíamos um bilhete para a Geral, conhecido como o Piolho, para ver as reprises das sessões da tarde.

O Piolho era o último piso, por cima dos camarotes, onde se sentava o público de menores posses. Um segregacionismo que felizmente damos como acabado!

Algum tempo depois o Pinheiro Chagas faliu e foi votado ao abandono até à sua demolição.Contudo, o nosso cinema preferido era o Salão Ibéria, sobretudo por ficar no parque.Durante anos, nas matinés e nas soirées, como se costumava dizer, frequentámos este cinema e muitos dos nossos namoros começaram aí, nos tempos em que se podia fumar na sala e não havia pipocas nem Coca-Cola.

Algumas estórias deste cinema ficaram célebres como aquela do homem que quando viu rugir o leão da Metro Goldwin Meyer exclamou – ‘’Vamos embora Maria que já vi este filme!’’ ou quando o arrumador, já após o inicio da sessão, se aproximou com a sua lanterna para indicar o lugar a algum grupo de retardatários e se ouviu gritar – ‘’Foge Márinho que vem aí uma bicicleta!’’.

Este cinema foi testemunha da nossa adolescência e aí tivemos as primeiras paixões cinematográficas. Filmes como os ‘’Amigos’’ e a sua sequela ‘’Paul et Michèle – Amigos e Amantes’’ levaram-nos pela primeira vez a repetir uma sessão. Mais tarde ‘’Paul and Virginia’’ e ‘’Jesus Christ Superstar’’ e ainda ‘’Saturday Night Fever’’ e ‘’Grease’’ tiveram o mesmo efeito.

Muitas noites após convencermos o porteiro, de que admirávamos a sua Java 350, entrávamos de borla após o inicio da sessão ou no primeiro intervalo. Nessa altura uma sessão de cinema era constituída por desenhos animados, uma curta-metragem e as apresentações de futuras estreias após o que se fazia um pequeno intervalo antes de começar o filme principal.

Estas apresentações de futuras exibições constituíam o prato do dia pois muitas vezes os filmes apresentados não pertenciam ao mesmo escalão etário do filme principal. Certa tarde o projeccionista enganou-se e trocou uma apresentação de um Western Spaghetti do Clint Eastwood pela apresentação do filme Western Porn. Aqueles 3 minutos de película, apresentando os melhores momentos (incluindo cenas subaquáticas que no Oeste também havia ribeiros!) revelou-se ser a nossa primeira verdadeira aula de educação sexual!

O Salão Ibéria passava sobretudo reprises de filmes dos anos 60 e 70, estreando um filme de quando em vez. Nas tardes de fim de semana as películas eram invariavelmente de ‘’caubois’’, o Western Spagetti ou seja filmes feitos por italianos com nomes artísticos americanos e realizados no deserto de Mérida em Espanha (Trinitá, Django, Sartana, Sabata, Ringo) ou épicos feitos em Itália, o famoso Peplum italiano (Hércules, Sansão, Maciste, Ursus). Do lado americano víamos os filmes do Tarzan com Johnny Weissmuller e os épicos como ‘’Spartacus’’, ‘’Quo Vadis’’, ‘’Ben-Hur’’, ‘’A Túnica’’, ‘’Os 10 Mandamentos’’ e ‘’A Biblia’’ enquanto de Hong Kong chegava a grande novidade da época, os filmes de Kung-Fu, com ou sem Bruce Lee.

Na sua maioria estas sessões de aventuras ou as comédias italianas ‘’picantes’’ com a Gloria Guida e a Edwige Fenech eram exclusivas dos rapazes mas quando convencíamos as raparigas a alinhar íamos ver filmes sobre as aventuras de adolescentes como os já referidos ou as comédias ‘’La Boum – A Primeira Festa’’, ‘’Gelado de Limão’’ ou ‘’Porky’s’’ e a comédia pura dos Charlots (os Malucos no Circo, no Supermercado, na Guerra, etc,) de Marty Feldman, Mel Brooks e Louis de Funes.

Mas o Salão Ibéria também teve grandes estreias ( seis meses depois de Lisboa!) como ‘’A Torre do Inferno’’, ‘’A Aventura do Poseidon’’, ‘’Papillon’’, ‘’Tubarão’’ e ‘’Aeroporto 1975’’.

Numa tarde de chuva de inverno, estava eu numa aula de alemão do 10º ano com a Profª Alice Grilo a dizer-me pela enésima vez ‘’Paulo ruhig!’’, quando se ouviu um grande estrondo e pela janela vimos o telhado de telhas antigas do velho barracão abater-se sobre si mesmo.

Era o fim do nosso querido cinema! Algum tempo depois numa noite amena as paredes que restavam deram de si e o velho Salão Ibéria entregou a alma ao criador! Com ele ficaram muitas das nossas mais doces recordações da infância e da adolescência.






















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