segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

O MOMENTO DOS SLOWS




Fernando Pessoa escreveu que o valor das coisas não está no tempo que elas duram mas na intensidade com que acontecem. Por isso existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis.


O que ele não disse foi que existem músicas que têm o poder de nos transportar de volta ao passado , a momentos inesquecíveis com pessoas incomparáveis.

E entre as músicas nenhumas têm um maior poder de nos fazer recordar esses momentos que as baladas.

Os slows. O momento mais aguardado da festa. Quantas relações, quantos namoros e quantos casamentos começaram ao som de um slow?

Ao longo da minha adolescência várias foram as baladas que se tornaram marcantes para mim. Recolhi as quarenta principais e espero que entre elas estejam aquelas que vos façam despertar essas incríveis recordações de momentos inesquecíveis e pessoas incomparáveis.

 A mim também me fazem recordar as coisas inexplicáveis, ehehe!!!  Mas isso dava uma outra crónica!

Começávamos pelas festas de garagem, pelas salas de jantar com a mesa e as cadeiras arredadas para um lado, depois vieram os convívios do Liceu e da Escola e os diversos sótãos. No final dos anos 70 já estávamos com os nossos 15 anos e deram-nos as matinés do Ferro Velho, do Queens, do Feelings em S. Martinho e.. de repente todas as discotecas já faziam as suas matinés. Do Kiay ao Moinho, da Princess à Jeans Rouge, da Bambi à Sunset, já podíamos fazer as nossas idas ás discotecas aos fins de semana à tarde sem ter que ir às famosas matinés do Beat, do Browns, do Charlie Brown, do Archote e do Porão da Nau em Lisboa.


Mas apesar de divertido, já não tinham o sabor daquelas primeiras festas de meados de 70, daquelas festas de aniversário em que por cada 15 minutos de ‘’shake’’ tínhamos uma hora de slows! Música à medida, festa completamente customizada. Cada tarde era um interminável programa ‘’Quando o telefona toca’’ em que nós próprios escolhíamos cada música e o momento dela passar. E por vezes, o Je T’Aime Moi Non Plus, passava cinco vezes na mesma tarde! E muitas vezes a agulha do gira-discos era posta para trás mesmo ao final da música fazendo com que um single de 3 minutos tivesse dez ou 15 minutos de duração!

Os slows eram o momento mais aguardado de cada festa e para quê esperar se éramos os donos da festa?

Ah! Nada como um bom slow para nos retirar a inibição e ultrapassar a timidez. A menos que o receio de levar uma tampa ainda fosse maior… mas como diria um amigo meu ‘’o não já era garantido!’’


Grandes slows marcaram a nossa adolescência e para muitos de nós existem músicas que ao ouvi-las imediatamente nos transportam para memórias do que ficou para trás, recordando-nos momentos inesquecíveis, pessoas e lugares inolvidáveis.

E os slows, mais do que qualquer outro género musical, tem esse dom!



E se editássemos uma colectânea dos slows que mais marcaram a nossa adolescência? Não, não vamos fazer isso, mas nada nos impede de reunir aqui essa colectânea e desfrutar dessas músicas numa tarde tranquila ou numa noite amena como se de um disco se tratasse.


Talvez depois faça outra colectânea dedicada a diferentes ritmos mas para já aqui vão os slows que marcaram a minha juventude, desde os que vinham já de trás e que os Djs continuavam a passar (o Je T’Aime Moi Non Plus apesar de editado 1967 (com Brigitte Bardot) e em 1969 (já com Jane Birkin) estava proibido em Portugal e só depois do 25 de Abril foi permitido!) até aos slows que ao longo dos anos me acompanharam nas tardes de rádio e nas noites de discoteca. A colectânea, tal como as minhas crónicas (ver a crónica ‘’O Fim da Adolescência’’) terminam em 1986. De fora ficam muitas baladas que não puderam ter lugar neste compacto de 40 musicas. O TOP 40 dos Slows!


COLECTÂNEA – SLOWS ‘’EU GOZEI A MINHA ADOLESCÊNCIA NAS CALDAS DA RAINHA NOS ANOS 70 E 80)



CD1

1. The Righteous Brothers – Unchained Melody (1965)
2. Moody Blues – Nights in White Satin (1967)
3. Procol Harum – A Whiter Shade of Pale (1967)
4. Serge Gainsbourg & Jane Birkin – Je T’Aime Moi Non Plus (1969)
5. Rolling Stones – Angie (1973)
6. Yvonne Elliman – I Don’t Know How to Love Him (from Jesus Christ Superstar) (1973)
7. Genesis – Carpet Crawlers (1974)
8. Yes – Soon (1974)
9. 10 CC – I’m Not in Love (1975)
10. Joe Dassin – L’Ete Indien (1975)
11. Nazareth – Love Hurts (1975
12. Joe Dassin – Et Si Tu N’Exist Pas (1975)
13. Chicago – If You Leave Me Now (1976)
14. Peter Frampton – Baby I love Your Way (1976
15. Barbra Streysand – Evergreen (from A Star is Born) (1977)
16. Eagles – Hotel California (1977)
17. Leo Sayer – When I Need You (1977)
18. Bee Gees – How Deep is Your Love (from Saturday Night Fever) (1977)
19. Anne Murray – You Needed Me (1977)
20. Rod Stewart – Tonight is the Night (1977)


CD 2


1. Rita Coolidge – We’re All Alone (1978)
2. Peaches & Herb – Reunited (1979)
3. Dr. Hook – Sharing the Night Together (1979)
4. Bob Seger & The Silver Bullet Band – We’ve Got Tonight (1979)
5. Captain & Tenille – Do That One More Time (1979)
6. Fleetwood Mac – Sara (1979)
7. Air Supply – Lost in Love (1980)
8. Christopher Cross – Sailing (1980)
9. Bob Seger & The Silver Bullet Band – Against the Wind (1980)
10. Air Supply – All Out of Love (1980)
11. Leo Sayer – More That I Can Say (1980)
12. Chicago – Hard To Say I’m Sorry (1982)
13. Spandau Ballet – True (1983)
14. Phil Collins – Against All Odds (Take a Look at Me Now) (1984)
15. Cars – Drive (1984)
16. Lionel Richie – Stuck On You (1984)
17. Phil Collins – One More Night (1985)
18. Phil Collins – Separate Lives (1985)
19. Peter Cetera – Next Time I Fall (1986)
20. Cutting Crew – I’ve Been In Love Before (1986)












































segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

DIAS DA FOZ


O meu pai estacionou o Peugeot 403 no parque do Hotel do Facho à falta de espaço no aterro de areia que ficava diante do largo onde terminava a estrada.

Fui com ele enquanto ia tomar café ao bar do hotel. Entrámos pela porta principal, à direita o balcão de atendimento e atrás de si, pregadas na parede as fotos a preto e branco do Hotel da Urjeiriça.

Seguímos em frente pelo hall e depois virámos à esquerda no corredor, entrando na porta à esquerda. O bar fascinava-me com todos aqueles copos de dezenas de formatos pendurados sobre o balcão. Adorava o mobiliário e os quadros da parede que me levavam pelos mares, para longe dali.



O meu pai deixava-me ir à tarde ao bar pedir um ginger ale mas apenas quando não viesse da praia. Teria que vir vestido!

Enquanto o meu pai tomava café, entrou um velho e conhecido casal de ingleses e a sua implicante, loira e gorda filha, a Debbie. Já sabia que estavam por perto. Era Agosto e o seu Triumph Herald azul descapotável com a grelha para as malas sobre o porta-bagagem estava estacionado no exterior.


Furtei-me ao cumprimento com a loura gaiteira. Infelizmente o pai da Debbie padece de uma doença grave na laringe e está com uma voz muito rouca.

Saí então para a sala de jantar que estava já a ser posta para eventuais almoços. Um dia vim aqui jantar a convite de amigos de Évora que conhecera na praia e fiquei deslumbrado pelo facto de servirem dois pratos às refeições, um de peixe e outro de carne!

Cá fora no terraço olhei invejoso para a casa dos senhores Stoop que se debruçava sobre a praia. Esperei impaciente pelo meu pai para poder ir para a praia onde já avistava os meus amigos.


O mar convidava, azul e manso. Estava maré baixa e podia-se ir tranquilamente às rochas para tentar apanhar polvos ou mexilhão ou então, construir castelos na areia mesmo junto à àgua que varria a praia em pequenas ondinhas.

Estávamos no inicio dos anos 70!

Descemos então as escadas de madeira ao lado do ‘’Mar à Vista’’ e o meu pai foi ter com a mulher do José Luis, o banheiro, para lhe pedir da arrecadação de madeira o saco de pano que guardava os nossos baldes, pás, ancinhos e boias.

- Não se esqueça de guardar quatro bancos de madeira e dois estrados extra pois o meu sogro vem almoçar à praia. – recomendou-lhe o meu pai.

- Fique descansado – disse a senhora – dois bancos já lá estão, depois mando o meu filho entregar o resto aí sendo meio-dia!

Dirigimo-nos então para a nossa barraca. A minha mãe tinha vindo à frente com as minhas irmãs e esperou-me para me untar por completo de creme Nívea. Fiquei todo branco!


- Queres vir à praia das rochas ou tomar banho à lagoa, perguntaram-me uns amigos que se preparavam para a partida para o banho com os seus pais.

- Não, obrigado. Vou tomar banho com o meu pai. Vai ensinar-me a fazer carreirinhas!


À beira-mar o meu pai encontra logo velhos amigos. O Fernando Baptista mete-se comigo.

- Então Paulo Rogério, já não tens ‘’mê’’?! – pergunta-me ele sorrindo. Num Verão anterior quis levar-me para a água mas eu recusei e aparentemente dizia:

- Tenho mê, tenho mê! - Como quem diz ‘’tenho medo!’’.

Depois do banho venho secar-me para a barraca. Chega a senhora dos bolos, vestida de branco e dedos calejados pela agricultura de inverno. Fico indeciso entre um pacote transparente de batatas fritas caseiras e um dos bolos. Escolho uma bola-de-berlim com creme. Só mesmo na praia têm aquele sabor!


Vamos depois todos em grupo até à lagoa, na zona da aberta. Os rapazes com as barbatanas e os óculos de borracha azuis ou pretos, as raparigas de toalha e de toucas.

Nas águas tranquilas da lagoa, os miúdos brincam aos cachos sobre velhas câmaras de ar de pneus de camião, as meninas preferem sentir os embalos da pequena ondulação deitadas em pequenos colchões insufláveis.
O banho dura horas para podermos aproveitar bem a ida à lagoa. Nunca sabemos se voltaremos mais uma vez nesse dia.

Depois desafiam-me para jogar ao prego que eu ainda mal aprendi, farpa, palmas, costas, murro, garfo, sino, flechas, depois os martelinhos!

As minhas irmãs jogam ao ringue junto às barracas. Está uma manhã serena e quase sem vento. Um dia perfeito de Verão, aqueles dias únicos e raros que transformam a Foz na melhor praia para todos nós, isso e o reencontro anual com os amigos.


Enquanto jogo olho à distância a fachada branca imponente do Palacete dos Viscondes de Sacavém que nós alugávamos ao ano e onde passávamos todo o Verão e a maioria dos fins de semana do ano.

A imagem trouxe-me de volta às recordações de um Verão anterior, o de 1970.

Passava as manhãs a brincar às touradas com os amigos. As tábuas que serviam de tampos de mesa nas barracas, na época em que se levava tupperwares para a praia com comida quente e se almoçava quase como em casa, eram enterrados ao alto na areia utilizados como burladeros e com as toalhas toureávamos os ‘’touros’’ e fazíamos pegas de caras e de cernelha. Os mais fortes ou robustos faziam de touro ou de rabejadores e os mais leves de toureiros ou de forcados.

Nas pausas íamos apanhar as caricas que atiravam para o areal debaixo do ‘’Tábuas’’. Este era o nome porque era conhecido o restaurante Mar à Vista por ser construído em madeira, com tábuas pintadas de azul. Por causa da eventualidade das marés vivas, o restaurante fora construído sobre estacas e existia um enorme espaço vazio sob a casa que servia para guardar as grades de refrigerantes e cervejas e as botijas de gás. Nesse areal, húmido e sem sol, juntavam-se centenas de caricas que colectávamos para as nossas colecções. Depois, desenhávamos circuitos automobilísticos no areal entre as barracas e fazíamos corridas de caricas nomeando-as com os nome dos nossos pilotos preferidos. Jackie Stewart, Jochen Rindt, Jean-Pierre Beltoise, Jacky Ickx, Pedro Rodriguez, Graham Hill.


Quando conseguíamos dos nossos pais íamos ao Tábuas beber gasosas e laranjadas da Rical e comer caranguejos enquanto nos divertíamos com os esguichos de água que saíam das amêijoas e berbigões expostos em tabuleiros de plástico branco sobre o balcão de entrada.

Éramos corridos das casas de banho ou ao pedir um copo de água sem fazer despesa mas isso já fazia parte da tradição de cada Verão.

Pelas tardes jogávamos ao ringue ou ao mata, jogávamos ao prego ou ao galo com pedrinhas brancas e pretas e fazíamos castelos na areia. Alguns de nós tinham uns aviões de plástico que se compravam na Tália e que eram constituídos por um corpo em forma de fuso amarelo, duas asas presas com arame em plástico azul e que zumbiam com a força do vento. Estes aviões eram presos por um fio de nylon enrolado a um carreto verde e fazíamos acrobacias aéreas e voos rasantes sobre os cabelos das nossas amigas.

Num dia de manhã segui como habitualmente com o meu pai até ao Hotel do Facho onde o esperava um amigo dos tempos do Colégio Moderno, abraçaram-se no reencontro e o meu pai apresentou-me ao seu amigo. A única coisa que fui capaz de dizer foi:

- Ó pai, o teu amigo tem um dente partido!

O meu pai nem soube onde se meter, naquele tempo uma criança não deveria ter estas tiradas, era considerado uma grande falta de educação e afinal, a responsabilidade dessa falha era dos pais!

O meu pai embaraçado pediu desculpa ao amigo e deu-me um sermão dos antigos. O amigo realmente tinha uma pequenina falha num dos incisivos e de cada vez que o voltei a reencontrar nos anos seguintes ele lembrar-me ia dessa história. O seu nome? David Mourão Ferreira.

Nesse Verão, a Foz recebera como habitualmente a visita de muitos amigos do meu pai, sobretudo militares em comissão em África que vinham de férias e ficavam alojados na FNAT. Traziam consigo a reboque nos seus pequenos minis, Fiat 850 e Renault 8, vistosos barcos desportivos em madeira com volante e motor fora de borda. Passavam tardes a competir entre si ou a particar ski.


Nesse Verão a minha mãe deu a festa dos seus 30 anos na casa que alugávamos para férias, o Palacete dos Viscondes de Sacavém e recordo-me de todos os seus amigos de África a chegar a casa. Esta tinha dois pisos e no rés-do-chão as várias salas distribuíam-se em redor de um átrio central. No primeiro piso, o dos quartos, havia uma enorme abertura protegida por uma balaustrada que dava para esse átrio central. Fomos mandados para a cama cedo e lembro-me de estar em pijama, sentado no chão e a cabeça entre os pilares em madeira torneada, olhando para baixo e admirando as pessoas que chegavam e o clima de festa.

Num desses dias os meus pais levaram-me a almoçar ao Félix, o mais afamado restaurante da Foz embora no Verão sofresse também a concorrência do Vasques que ficava onde hoje é o Cais da Praia e do Solar da Paz onde se comia um fantástico ensopado de enguias no Verão e um belíssimo Cozido à Portuguesa no Inverno.

A ementa era extensa mas invariavelmente optávamos entre a caldeirada e o ensopado de enguias. Eu pouco apreciava os pratos pois em criança detestava peixe e tudo o que viesse do mar excepto mariscos e moluscos. Do que eu gostava mesmo era do pão frito que acompanhava esses pratos! Praticamente o meu almoço consistia em comer fatias desse pão cobertas de molho da caldeirada ou do ensopado e encostar para as bordas do prato todo o peixe que me serviam com o pretexto de que tinha muitas espinhas. Na realidade todos nós, miúdos, aguardávamos o momento de poder atacar a famosa Montanha Russa, um doce de claras em castelo que vinha com um apetitoso creme de ovos a escorrer.

Assim que tínhamos permissão saímos da mesa e corríamos pelo campo em terra batida até ao cais de madeira para ver os barcos aí atracados.


Ao lado, deitada no areal estava a velha bateira do meu avô paterno, a Albatroz. O meu avô Chico ainda me levou umas noites à pesca do candeio, aos polvos, solhas e linguados. O meu avô morrera no ano anterior e a bateira ali ficara abandonada.

Quando não tínhamos autorização para ir ao cais íamos jogar matraquilhos no telheiro diante da lagoa ou num outro que ficava junto à porta da cozinha, do lado que dava para as bombas de gasolina.

Nessa tarde, o movimento era grande, realizava-se a Rampa da FNAT e eram muitos os carros que se alinhavam na estrada esperando a sua vez de entrar em acção. A rampa tinha poucas centenas de metro e percorria, com cronometragem ao segundo, a ladeira que ía do portão da FNAT até ao seu ponto mais alto. Com o seu espírito desportivo, os amigos do meu pai, decidiram, também eles, participar na competição.

Fernando Santa-Bárbara em Hillman Imp - Rampa FNAT 1970

 

A fila de carros dos participantes era tão grande que se estendia até à casa branca da D. Júlia, a quem a minha mãe comprava sacos de batatas.


O clima era de festa e nessa noite, após o jantar de distribuição de prémios na própria FNAT realizava-se um baile. Nós, os mais pequenos, contudo tivemos como alternativa uma sessão do cinema ao ar livre no baldio que ficava (e fica) diante dos muros da FNAT.


No dia seguinte íamos à missa na pequena capela diante dos Vasques, mesmo ao lado do torreão onde antes fora a casa dos falcoeiros marroquinos que Francisco Grandella mandara construir.

E os dias continuavam, constantes e iguais, vibrantes e imemoráveis até ao fim do Verão.


Em memória do Fernando Baptista e de todos aqueles que me fazem valer a pena recordar a minha infância.

Fernando, o mar já não me mete medo. O meu único medo é perder os amigos como tu.





Natércia Barreto - Óculos de Sol




Ronnie Cord - Biquini às Bolinhas Amarelas


Gino Paoli - Sapore di Sale

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

OS DIAS DA RÁDIO


PARTE 1

Eu tinha planeado escrever uma crónica sobre a rádio que ouvíamos na altura. Não seria uma crónica específica da geração caldense na medida em que não integrava um episódio cá decorrido mas que daria o background necessário para enquadrar a época.

Em ‘’Cruzando os Anos em Poucos Dias’’ fiz menção aos programas de rádio que ouvíamos na altura. Só existiam dois canais e com o segundo pouco contávamos. A televisão era a preto e branco e fora os dias de ‘’Noite de Cinema’’ , às quartas-feiras, e de séries, às sextas-feiras, poucos eram os dias em que valia a pena ficarmos a ver o pequeno ecrã até tarde.

Acordava de manhã bem cedo a ouvir o Diário Rural e o Piquenicão e à noite ouvia, enquanto estudava, o Quando o Telefone Toca. De manhã se ficávamos em casa ouvíamos o top de vendas no TNT - Todos no Top. Nas longas tardes de estudo do inicio dos oitenta ouvia de uma assentada o Vapor, a Discoteca e o Rock em Stock. Terei certamente mais dificuldade em me recordar dos programas de televisão da altura do que dos bons programas de rádio.

Durante anos afastei-me do hábito de ouvir rádio até que em meados dos anos 90 a minha vida profissional me levou para Lisboa e passei a ser um assíduo ouvinte de rádio enquanto faço o percurso diário entre as duas cidades.

Já tencionava escrever algumas crónicas sobre outros temas que marcaram aquele tempo mesmo que não se relacionem directamente com a juventude caldense mas com a juventude dos anos 70 e 80 em geral.

Neste caso concreto da rádio e quando fazia pesquisa para a possível crónica, deparei-me com um texto tão eloquente daqueles tempos – ainda por cima escrito por alguém que sempre viveu as rádios por dentro – e fazendo menção a tantos pontos que eu iria aludir na minha possível crónica que não resisti em transcrever a sua crónica com os devidos agradecimentos. Afinal para quê escrever o que já está bem escrito?

DOCE MANIA DE RÁDIO

RÁDIO COMERCIAL - ANOS 80

Por Francisco Mateus


Naquele tempo havia um rádio ligado em minha casa 24 horas por dia. Só existiam quatro canais nacionais de rádio: a RDP Antena 1 e Antena 2, a Rádio Renascença e a Rádio Comercial, que também pertencia à Radiodifusão Portuguesa. A Rádio estava sempre ligada na Rádio Comercial, especialmente na emissão de Onda Média. Isto até ter-se dado o advento do FM em Portugal, em larga escala, a partir de 1979.

Eu não me lembro do nome do aparelho de recepção que o meu pai trouxe para casa em 1975 e que, na primeira vez que foi ligado, apareceu a voz de Raul Durão na Antena 1. Não me lembro da marca do modelo do aparelho, mas se tiverem oportunidade de ver o filme Apocalypse Now Redux (de Francis Ford Coppolla) aparece um rádio exactamente igual no momento do enterro do jovem soldado.

Seria, todavia, com um outro receptor, um pequeno transístor manual (que lá em casa chamávamos de “bonequinha”) que escutaria, pela primeira vez, uma madrugada inteira de rádio. Fi-lo em segredo. Tinha nove anos e o programa que escutei durante toda essa noite chamava-se «A Noite é Nossa», de Ruy Castelar. Foi a primeira de muitas, imensas, incontáveis noites em claro a ouvir rádio. E, obviamente, a ouvir a Rádio Comercial.

O programa «A Noite é Nossa», de Ruy Castelar, não duraria muito mais tempo e, passado um ano ou dois, apareceu um outro programa na Rádio Comercial, no mesmo horário, que quase nunca perdia.

Era o programa «No Calor da Noite», feito a várias mãos. Uma equipa de notáveis profissionais, entre eles Fernando Correia, Jorge Perestrelo, Luís Filipe Barros e José Augusto Marques. Cada qual fazia à sua maneira mas, em todos eles, havia uma forte dedicação. «No Calor da Noite» era uma companhia nocturna absolutamente arrebatadora. Eu já sabia que se começasse a ouvir esse programa não conseguiria dormir mais até ao fim. Este é apenas um dos muitos exemplos que trago na memória desses templos absolutamente dourados da doce mania de rádio.

«Doce mania de rádio», era uma frase cliché do programa «24ª Hora». Esse era outro dos espaços de emissão que eu ouvia assiduamente. Por exemplo, neste programa havia duas crónicas diárias absolutamente imperdíveis: o ressurgimento dos «Cinco minutos de Jazz» de José Duarte (após um interregno de vários anos na rádio portuguesa) e a crónica socio-política de José Manuel Homem de Melo.

Mas tal como disse, estes são apenas alguns exemplos de uma torrente contínua de programas na Rádio Comercial, ao longo de 24 horas por dia. As manhãs, até um certo período, eram em simultâneo em Onda Média e FM. Podiam começar com a equipa de Luís Paixão Martins («Hora de Ponta»), Luís Pereira de Sousa («Hora a Hora»), Carlos Pinto Coelho, José Ramos, Herman José, Júlio Isidro, continuando depois com Ruy Castelar, Jorge Pego, etc.

As tardes em Onda Média também foram, durante algum tempo, preenchidas com um programa feminino chamado «Ela», feito por várias elas, e que tinha uma crónica social interessantíssima feita por Carlos Castro.

Em FM, era a «Discoteca» de Adelino Gonçalves, «O Vapor» de José La Féria, o «Rock em Stock» de Luís Filipe Barros, «Tempo de Fuga» (rigoroso exclusivo Pausadas de Portugal) com apresentação de José Ramos, «Cabo da Boa Esperança» com apresentação de António Macedo, já pela noite dentro «Quando o Telefone Toca» com Matos Maia (à 4ª feira havia o Top dos discos mais pedidos), o «Café-Concerto» com Maria José Mauperrin, depois a já falada «24ª Hora» que teve como apresentadores Pedro Castelo, Aníbal Cabrita e João Chaves entre muitos outros. Depois vinha «O Passageiro da Noite» de Cândido Mota, «O Som da Frente» de António Sérgio e «O Calor da Noite» dos notáveis de que já falei.



A rádio nessa altura em minha casa era e, acho que em todas as casas, mais importante que a televisão. Muita gente não se lembra mas só havia a RTP 1 e 2. E a televisão em Portugal nessa altura não funcionava 24 por dia. As emissões começavam à tarde, por volta das 17:00 e às duas da manhã ou muitas vezes antes, já estavam encerradas.

A rádio sempre foi o órgão de comunicação social mais importante na minha casa. Estava então ligada 24 horas por dia. Acordava a ouvir rádio, tudo o que fazia era ao som da rádio, estudava a ouvir rádio, faltei a algumas aulas para ouvir rádio, quase que gostava de ficar doente para poder ficar em casa a ouvir rádio, deitava-me (e deito-me) sempre a ouvir rádio. Muitas dessas noites, não chegava a dormir. Toda a bagagem musical que fui acumulando ao longo dos anos foi através da rádio. E todo o investimento musical que, posteriormente fiz, foi estimulado pelo que conheci através da rádio. É claro que muitas das coisas que conheci me levaram a conhecer outras e por aí fora (as playlists não permitem isso, salvo as raras excepções do costume).

Nessa altura, nos últimos 25 a 30 anos, a rádio tinha uma componente que hoje em dia caiu em desuso: a formação. A rádio tinha três componentes fundamentais: a informação, o entretenimento e a formação. Hoje em dia, a formação está completamente posta de parte. Os programas tinham, de facto, impacto junto das pessoas. Havia muito mais ouvintes que há hoje. Havia mais tempo, as pessoas estavam mais disponíveis para ouvir rádio. E faziam-no, sobretudo em casa. Na altura, a maioria das pessoas não tinha ainda transporte próprio.

Hoje em dia a rádio ouve-se essencialmente nos automóveis. Esta diferença de disponibilidade demonstra o quanto diferentes são hoje os ouvintes de rádio. Hoje, ouvem com menos atenção. São menos exigentes na subjectividade das emissões mas, por outro lado, as audiências de hoje em dia são mais exigentes no que toca à informação, ao jornalismo radiofónico. Hoje em dia há mais participação de ouvintes em directo na rádio, há maior interactividade por via dos vários fóruns que se multiplicam em estações de referência, sendo que em muitos destes casos o excesso de palavra cai em redundância e na inutilidade. Transforma-se em ruído. E o excesso de informação transforma-se em desinformação (mas esse é um outro assunto que não interessa agora).

Por vezes, eu colocava dois aparelhos de rádio ligados em simultâneo. Um com o volume de som mais elevado que o outro, para assim produzir-se um efeito em eco que se espalhava por toda a casa. Aquilo era mágico!


PROGRAMAS PARA A HISTÓRIA

«Quando o telefone toca» que teve vários apresentadores, mas o único que me lembro bem é Matos Maia. Acompanhava com maior entusiasmo a emissão de quarta-feira por causa do top dos dez mais pedidos da semana. O objectivo era ouvir as canções “Eyes Without a Face” de Billy Idol e “Take a look at me Now de Phill Collins. Estavam lá sempre (1983/84).

«Piadinhas e Torradinhas» e «Graça com Todos» dos «Parodiantes de Lisboa». As “piadinhas surgiam cedo pela manhã (no Inverno ainda de noite) e a “Graça” à hora do almoço (13:00/14:00) . Sempre de segunda a sexta-feira. Inesquecível a dupla Patilhas e Ventoinha, que aparecia já nos últimos dez ou quinze minutos da sessão «Graça com Todos». Lá iam eles desvendar mais um bizarro crime. Patilhas era o chefe, o inteligente. Ventoinha o bronco, o desastrado. Mas não eram poucas as vezes que o subalterno surpreendia e embrulhava o chefe…

«Café da Manhã» com Ruy Castelar e companhia. Da companhia fizeram parte duas estreantes vozes femininas, hoje ausentes do éter: Maria Alexandra e Isabel Risques. Onda média pura e dura, com música portuguesa, francesa e latino americana. Passatempos/ofertas e ouvintes em directo. Este era o Ruy Castelar diurno. Antes tinha havido o histórico «A Noite é Nossa» e, depois do «Café da Manhã», Ruy Castelar voltaria à terna noite para realizar o «Fantástico». Durou anos a fio, só sendo pulverizado pela privatização da Comercial em 1993. Fica na memória do «Fantástico» as intervenções da astróloga brasileira Diva Ferreira e especialmente os directos de Carlos Rebelo a partir da discoteca “Green Hill” na Foz do Arelho. O programa «Fantástico» ainda teve um remake na Rádio Nova (Porto) numa altura em que dispunha de emissão de e para Lisboa. Mas nunca mais voltou a ser a mesma coisa e a fantasia perdeu-se.

«A Grafonola Ideal» de Júlio Isidro. Salvo erro, apenas em Onda Média. E, se a memória não me atraiçoa, Júlio Isidro teve uma ou mais vozes femininas a acompanhá-lo neste programa da Comercial. Mas fez mais, especialmente a «Febre de Sábado de Manhã». Este último conseguiu feitos impensáveis na rádio de hoje. Qual é o programa que hoje conseguiria encher um estádio de futebol durante três horas para assistir a actuações musicais numa manhã de Sábado?

«Cantores do Rádio» de José Nuno Martins. Destaque óbvio para a música brasileira e estórias associadas. Outro programa de José Nuno Martins que deixou marcas na Rádio Comercial nos anos 80 foi «Interiores».

«Piquenicão» de Costa Macedo, numa romaria anual com ouvintes, amigos, familiares e agricultores. A rádio ao vivo e em directo. Literalmente.

«TNT-Todos no Top» de Jorge Pego, que numa determinada fase contou também com apresentação de Manuela Moura Guedes. Lembro-me da entrevista a Paul McCartney por altura da edição do álbum “Pipes Of Peace” (1983). A guerra-fria estava num dos seus pontos mais críticos.

«Rock em Stock» de Luís Filipe Barros. (Por um bom período de tempo foi feito por Ana Bola). Talvez o mais memorável dos programas da Comercial de 80, a par do «Som da Frente» e da «Discoteca». Rasgou horizontes e deu o Rock que os ouvintes portugueses nunca tinham escutado.

«Círculo em FM» de Paulo Coelho e Fernanda Ferreira, um programa que também contou com a apresentação de José Ramos.

«Discoteca» de Adelino Gonçalves. Um dos marcos da Comercial de 80. Enfoque especial para a chamada música negra mais dançante (funk) acompanhada por muito mais. Foi aqui, por exemplo, que se ouviu pela primeira vez o tema “Drive” dos Cars ou “Nightshift” dos Commodores em homenagem ao então assassinado Marvin Gaye (1984).

«O Vapor» de José La Féria. A ponte entre a «Discoteca» e o «Rock em Stock». Muito diferente – para melhor – era este La Féria daquele que também militava na Onda Média.

«Rolls Rock» , «Lança Chamas» , «Rei Lagarto e outras histórias» e em particular «Som da Frente», todos estes programas da autoria de António Sérgio. A história fala por si.

«Cabo da Boa Esperança» Apresentação de António Macedo. Um programa que abordava assuntos africanos. Não teve vida longa este programa da Comercial de 80 (final da tarde), mas a inigualável apresentação fica na memória. Outro programa de António Macedo que marcou: «É de Noite Já se Vê». (E aquela entrevista em directo em que o cantor Toni de Matos ainda conseguia fumar mais cigarros que o entrevistador?).

«Café Concerto» calmo e intimista de Maria José Mauperrin.

«Morrison Hotel» de Rui Morrison. Sobriedade e bom gosto. Música de todos os tempos em perfeita simbiose. A voz distinta do autor complementava o atraente enquadramento.

«Pedras Rolantes» do próprio Rui Morrison com Rui Neves e Ricardo Camacho. A três mãos, uma emissão musical mas com palavra. Dos três.

«24ª Hora» O melhor magazine radiofónico que alguma vez ouvi. Era uma segunda e nova vida do mítico «23ª hora» vindo da Rádio Renascença (que nunca ouvi pela simples razão de que ainda não era nascido), mas já aqui os tempos eram outros. Um programa idealizado e concebido pelo grande produtor de rádio, que foi João Martins. A «24ª Hora» teve vários apresentadores (José Nuno Martins, Jorge Pego, Aníbal Cabrita, João Chaves, António Macedo, etc.) sendo Pedro Castelo o mais assíduo. Outros nomes participantes: Tomás Taveira (arquitectura), Paulo Gil, António Rolo Duarte, José Vaz Pereira (cinema). O lugar deixado vago pela “vigésima” ainda continua por preencher devidamente na rádio em Portugal.

«Cinco Minutos de Jazz» de José Duarte. Começou em 1966. Conheceu um hiato de vários anos após o 25 de Abril, mas retornou em Outubro de 1983 justamente na 24ª hora. Aí sim, apanhei o acontecimento na hora e sigo os «Cinco Minutos» até hoje.

«O Passageiro da Noite» O programa mais famoso na longa carreira radiofónica de Cândido Mota. O mais famoso e o mais polémico…

«Country Music» de Jaime Fernandes. Até hoje, o melhor programa de rádio sobre a canção tradicional norte americana.

«Dança Atlântico», «Trópico de Dança», «A Escola do Paraíso» e «W». O que uniu todos estes projectos? Um homem, um nome, muitas ideias: Miguel Esteves Cardoso. Não esteve sozinho. Ao lado do seu poder de génio, também materializado no mundo da rádio, estiveram João David Nunes, David Ferreira e Margarida Mercês de Melo. Já agora, onde estás tu, MEC?

«Pão Com Manteiga» durou 98 semanas. Uma equipa de luxo liderada por Carlos Cruz: José Duarte, Mário Zambujal, Joaquim Furtado, Bernardo Brito e Cunha, Eduarda Ferreira, Orlando Neves.

Parte desta equipa esteve também envolvida em outros programas memoráveis, ainda sob a liderança de Carlos Cruz «Contra Ataque», «Duplex» e «Uma Por Semana». O Senhor Televisão também era um Senhor Rádio. Qualidade acima da média (na altura muito elevada).

Irreverência, intransigência, independência. Alguém consegue pedir mais?

«A Flor do Éter» e «Rebéu-béu Pardais ao Ninho» de Herman José & companhia: Vítor de Sousa, Margarida Carpinteiro, Lídia Franco e Ana Bola. Lembram-se do infindável folhetim «Fedora Fedoreva»? Radio novela humorística. Hoje não existe nada parecido.

«Se7e por Se7e» uma extensão radiofónica do semanário de artes e espectáculos «Se7e», com coordenação do então director da publicação Carlos Cáceres Monteiro.

E que equipa: António Macedo, João Gobern, Pedro Rolo Duarte, entre outros.

«As Noites Longas do FM Estéreo» António Santos no seu melhor momento (monumento) de rádio.

«À Sombra de Edison» de Jorge Gil com locução de Cândido Mota. A arte do som e da palavra num ensaio experimentalista.

«Tardes de Desporto» O futebol era quase sempre ao Domingo. Por vezes, raramente, também ao sábado. Artur Agostinho, Fernando Correia, Jorge Perestrelo, David Borges, Fernando Emílio, Abel Figueiredo (relatadores); António Macedo (como repórter de pista); Carlos Cardoso (comentador de arbitragem); Fernando Neves de Sousa (comentador de futebol); José Augusto Marques, Orlando Dias Agudo, etc. Mas o desporto na Comercial não era só futebol, como hoje acontece nas três maiores estações nacionais (Antena1, TSF, Renascença). Havia transmissões dos campeonatos mundiais e europeus de Hóquei em Patins, o atletismo tinha acompanhamento regular, o automobilismo também, em particular o saudoso Rali de Portugal Vinho do Porto. As inesquecíveis vitórias olímpicas de Carlos Lopes (Los Angeles, 1984) e de Rosa Mota (Seul, 1988) foram relatadas em directo na Rádio Comercial por Fernando Correia. Arrepiante, soberbo.

Tantos e tão bons nomes da rádio feita em Portugal, todos juntos sob o mesmo tecto. Nunca mais aconteceu nada assim.


Por Francisco Mateus – blog Radio Critica




PARTE 2

RÁDIO RENASCENÇA – ANOS 80




MEIA DE ROCK

De 2ª a sábado - 00:30/01:00 h (OM/FM)

Realização de Rui Pego Apresentação de Luís Vitta e Rui Pego

Tendo em conta a necessidade de que existia da RR estar mais atenta aos movimentos jovens começava em 8 de Junho de 1981, na Rádio Renascença (OM e FM), o programa Meia de Rock.

«Não é certamente um armazém de música, mas poderá ser um suculento pedaço de rádio rock, arejado e vivo. Agora, trinta minutos depois da meia-noite, "alto e para o baile. O tempo é nosso. Vamos viver a nossa época.»

[Aos Domingos 00:00; 01:00] --- António Duarte

A equipa foi reforçada com a entrada de António Duarte e nasceu uma edição especial ao Domingo com a coluna de António Duarte sobre o rock português.

A partir do dia 19 de Setembro de 1981 as emissões de sábado passaram para uma hora de duração. Nas noites de sábado - dilatava-se o tempo de emissão de meia para uma hora. Era nas emissões especiais de sábado à noite que António Duarte "encostava à parede" as referências mais significativas da produção nacional de rock.

«A meia que se recomenda seja tomada ao deitar, continua de boa saúde»

A partir de Janeiro de 1982, o programa passou a ter uma hora de duração. O programa continuou a ser Meia de Rock, uma meia de rock dupla que ia para o ar todos os dias entre as 00:00 e as 01:30 . Permitindo passagens mais largas de certos discos e maiores intervenções de António Duarte.


POP/TOP/ROCK

Sábados 16h-18h RR - OM/FM

O programa tinha um top com os 20 mais (álbuns) do programa POP/TOP/ROCK. A tabela era resultante das listas de preferências dos vários núcleos de ouvintes do programa. Com o "boom" do rock português tornou-se usual a presença de discos portugueses (Táxi, À Flor da Pele, Heróis do Mar, Humanoid Flesh; Pronto a Curtir e Se Cá Nevasse são alguns dos exemplos).

O programa também promoveu uma lista com os "10 mais da Produção Nacional". A primeira tabela incluía temas como "Sê Um GNR", "Patchouly" , "Totobola", "Um Café e um Bagaço", "Sémen" ou "Touch Me Down".

«Privilegiava-se o contacto com com os jovens admiradores do rock e a máquina montada permitindo o funcionamento do conhecido Clube dos gatos.»


NÓS POR CÁ

«Connosco você vai sentir-se em casa»

Em Abril de 1982 começou na Rádio Renascença, Onda Média de Muge e Porto, Aos Sábados, entre as 15 e as 16 horas. O programa era apresentado por António Duarte e Rui Pego (que também era o realizador do programa).

Posteriormente o programa passou a ter duas horas, entre as 14 e as 16 horas de Sábado. O programa costumava destacar um álbum de produção nacional, tanto podia ser Fausto ("Por Este Rio Acima") ou o "Persona Non Grata" dos UHF. O programa também tinha um top com as "Mais" Mais da semana.

"Intelectual do Café" de Fernando Girão foi o primeiro líder da tabela Nós Por Cá. Uma tabela que é o espelho fiel sem artifícios, das vossa preferências. Preferências que todos vocês podem manifestar, constituindo-se em núcleos e enviando semanalmente os cinco temas que vos fazem perder a mona.

«O objectivo é trazer para o som forte da Média, um jornal da produção nacional que tratasse os principais acontecimentos e dispensasse às propostas mais interessantes, um apoio crítico.»

«Dois roteiros - um de edições, outro de espectáculos - "flashes" de notícias, uma coluna de critica de discos e cinco minutos... nem mais um, com um convidado de que se evoca a trajectória, para se tocarem de perto as origens de tudo isto.»

«Olho vivo e alguma música ligeira. Alguma porque nós por cá, estamos particularmente "viradinhos" para o roque que valha a pena, para os incompreendidos Tradicionais, para esse movimento que vai engrossando e que muita boa gente chama já MPP (Música Popular Portuguesa) e ainda para todas as propostas que ousem.»


COR DO SOM

Aos Sábados à tarde no FM da RR. Apresentação e realização de Rui Pego. O programa durou até 1985.


OCIDENTAL PRAIA

Em Janeiro de 1986, o FM da Renascença passou a transmitir o programa "Ocidental Praia" de Rui Pego. Aos Sábados entre as 00h00 e as 02h00. O programa tinha uma tabela de preferências denominada "Quinta dos Portugueses", em que entravam muitos temas em maqueta, que era publicada no jornal Blitz.


CABO DO ROCK [RFM]

Realização e apresentação de João Pedro Costa. Passa exclusivamente música moderna portuguesa de bandas já consagradas ou ainda por revelar.

Domingos das das 18h às 19h (1988)



RÁDIO RENASCENÇA (FM) - ANOS 80

As emissões em FM da Rádio Renascença começaram em 1984. O simultâneo Onda Média /FM era desfeito durante 12 horas por dia (das 14:00 às 02:00). Coube a João Chaves, recentemente chegado da Rádio Comercial, inaugurar as emissões do FM da Renascença. Esse momento não escutei, mas acompanhei – nem sempre com a melhor das assiduidades – os seguintes programas:


SERRA DE ESTRELAS

Duas mãos cheias de música e algumas palavras para muitos amigos.

A primeira emissão foi no dia 15 de Outubro de 1984, pela mão de Jorge Peixoto. João Porto, um ano mais tarde, conduziria o “Serra de Estrelas” por anos a fio até ao termo do programa já na primeira metade dos anos 90. De segunda a sexta-feira (20:00/22:00) cumpria com inegável eficácia o “buraco negro” das audiências na hora do telejornal e da telenovela (RTP). Servia de antecâmara ao «Oceano Pacífico». O ambiente era bem conseguido, a selecção musical não comprometia, mesmo que por vezes fosse – em minha opinião – demasiado aligeirada. Os clássicos da canção popular norte americana de 60 e 70 tinham aqui lugar. Bob Dylan e Cat Stevens são apenas dois exemplos. Alguns instrumentais não identificados também brilhavam como estrelas nesta serra de duas horas. Por exemplo, alguém consegue identificar o curto cântico que durante muito tempo abria a segunda hora? Sempre me pareceu ser a voz de falsete de Jimmy Somerville (Bronski Beat; The Communards). Por outro lado, também tenho a sensação de se tratar da voz de Bobby McFerrin... mas será que era ele? Quando o «Serra de Estrelas» terminou, João Porto passou a assegurar as duas horas de emissão (01:00/03:00) depois do «Oceano Paçífico», onde repetia amiúde a frase «Há Músicas Assim», mas já era uma coisa muito distante do «Serra de Estrelas». Actualmente João Porto está nas madrugadas da RFM (segunda a sexta, 02:00/06:00).


OCEANO PACÍFICO

Iniciou-se em Outubro de 1984 com a apresentação de Marcos André (2ª a 6ª, 22:00/00:00). Em Dezembro desse ano o programa é entregue à apresentação de João Chaves. O que ainda acontece. O sucesso do formato de programa de autor com baladas/slows, juntamente com um tom de voz meio sussurrante, foi largamente copiado um pouco por todas as rádios locais (…e outras menos locais). De duas horas, passou a três e destas para as actuais quatro (22:00/02:00). É o programa mais antigo da RFM. Até há dias (agora há um programa de música de dança, «RFM Clubbing», ao sábado entre as 21 e as 2h da manhã) era, há já muito tempo, o único programa dito de autor na RFM. Mas será que actualmente se pode designar o «Oceano Pacífico» como sendo um programa de autor? Em minha opinião, claramente que não. Porque se durante os anos 80 e grande parte dos 90 o apresentador João Chaves escolhia a música a seu belo prazer, hoje em dia está sujeito aos estudos/testes de audição, no que resulta numa autêntica playlist de baladas/slows que escapa à sua escolha pessoal. Ora, se o autor de rádio não tem o pleno domínio da sua emissão, se não é detentor da primeira e última palavra, se não tem total autonomia editorial, então não é um programa de autor. Mais: já ouvi temas da playlist da RFM (os mais baladeiros) a encontrarem igual passagem em pleno «Oceano Pacífico»…

Um verdadeiro programa de autor tem como princípio basilar fazer a evidente destrinça entre ele e o resto da programação, principalmente do resto da programação da estação em que se insere. Mesmo sendo uma triste sombra do que já foi, o «Oceano Pacífico» tem há muito o seu lugar na história da rádio portuguesa. E continua a ser plagiado por aí, até mesmo por estações que seriam – à partida – insuspeitas de o fazerem.


O ÚLTIMO METRO

Nuno Infante do Carmo, numa primeira fase acompanhado por Mário Fernando. Duas horas de grande música, fazendo a divulgação certa entre vários estilos da música popular anglo saxónica, entrando sem dificuldades em terrenos indy/alternativos, várias correntes do Jazz, etc. Um leque vasto de novidades e de sonoridades que não sendo novidade, incorporavam o novo. Em Dezembro de 1986 fiquei a conhecer através deste programa dois álbuns musicais que ainda hoje estão entre os meus preferidos. A saber: “Gone To Earth” de David Sylvian, através do tema “Taking The Veil”e “Filigree & Shadow” dos This Mortal Coil com o tema “The Jewler”. Mas houve mais: Everything But The Girl “Come On Home”, Pat Metheny, J.J.Cale “Magnolia” e Dead Can Dance “Dawn To The Iconoclast” e “Cantara”.

Em Setembro de 1987, «O Último Metro» foi apresentado por Maria Flor Pedroso, fazendo as férias de Nuno Infante do Carmo. O Programa terminaria pouco tempo depois – ouvi a última emissão, em que NIC desfilou os temas “residentes” do programa em anos de emissões – por causa da transferência (um pouco tardia) do autor para o CMR-Correio da Manhã Rádio. O indicativo de «O Último Metro» era genial. Ouvia-se uma composição de metropolitano parar numa estação, o apito avisador de fecho de portas, o som do arranque e um instrumental minimalista electrónico. Simples e belo como poucos.

Actualmente NIC é animador no Rádio Clube.


RFM - ANOS 80

O OUTRO CANAL DA RENASCENÇA


No dia 1 de Janeiro de 1987, o FM da Rádio Renascença torna-se autónomo 24 horas por dia, isentando-se da emissão em simultâneo com a Onda Média. Era o nascimento da Renascença FM, a RFM. Alguns programas que vinham do “velho” FM mantiveram-se inalterados. Foi o caso de «Serra de Estrelas», «Oceano Pacífico» e «Último Metro». Outros nasceram já sob a designação RFM. Entre eles, escutei os seguintes:


OS 100+

A primeira experiência de playlist em Portugal. Uma longa série de horas em que os temas musicais eram apresentados em forma de contagem decrescente. Nada mais nada menos que uma centena! Daí o nome «Os 100 +». Desconheço se eram os cem mais pedidos pelos ouvintes, ou os cem mais escolhidos pelos vários animadores que apresentavam as muitas horas do programa, ou se havia outro método qualquer para eleger a centena de canções pop-rock comercial que desfilavam. Na altura em que apareceu não me pareceu uma má ideia, e lembro-me do bom acolhimento que o novo formato teve junto das pessoas do meu círculo de conhecimentos, mas não muito tempo depois comecei a fartar-me de ouvir por causa das repetições e da previsibilidade cada vez mais recorrente. Dei-me conta que os temas apresentados eram sempre – ou quase sempre – os mesmos. Apenas mudava a ordem. Na verdade era um não programa. Afinal, era só uma playlist, não era?


A ILHA DOS ENCANTOS

Amílcar Fidélis. Um ET da rádio, de voz estranha e enigmática, autor da maravilhosa “Ilha dos Encantos” na primeira etapa da RFM, desde 1987 até 1990. Noites de semana, da meia-noite às duas da manhã. Indy Pop de extremo bom gosto (Triffids "Goodbye Little Boy"; The Sundays "Can't Be Sure"; Pixies "La La Love You"; Anna Domino "Lake"), com rubricas fixas, como por exemplo “O Tesouro da Ilha”, que tinha a voz de Teresa Fernandes no jingle. Também havia alguns convidados esporádicos para se debater sobre determinado tema. Foi assim durante várias emissões no início de 1990 para fazer-se o balanço da década que entretanto acabara. Fidélis, com a então defunta década ainda arrefecer, fez corajosamente o balanço dos anos 80 como ainda hoje ninguém conseguiu fazer sobre a década de 90.


COLAR DE PÉROLAS

Uma selecção musical a cargo de Manuel Falcão com apresentação de Luís Silva (sábado, 00:00/02:00). Ao «Colar de Pérolas» devo a descoberta de... duas pérolas: os álbuns “Drum” e “Mettle” dos nova-iorquinos Hugo Largo, ambos concebidos em 1988. Os dois trabalhos deste atípico agrupamento avant gard tiveram amplo destaque neste programa da RFM.


ATLÂNTIDA

Uma aproximação (muito aproximada mesmo) a um programa que habitava (e ainda habita) a mesma casa… “Oceano Pacífico”. Apresentação de Rui Branco (mais tarde com apresentação de Luís Silva). Sábados e Domingos (22:00/00:00). A voz de Rui Branco, que conhecemos da muita publicidade que grava, foi insuficiente para ganhar raízes. Penso que a ideia era manter a linha do «Oceano Pacífico» ao fim de semana, mas «Atlântida» afundou-se na comparação com o original.


O DESCANSO DO GUERREIRO

Marcos André, por ventura a melhor voz de sempre nos quase vinte anos que RFM tem de vida. Foi um espaço musicalmente sem grande interesse, mas que tinha na voz do apresentador a sua mais valia. Atenção: aqui já estávamos no início dos anos 90.


Extraído do blog Radio Critica – Francisco Mateus


 
 
PARTE 3
 
LUIS FILIPE BARROS - ROCK EM STOCK
 
"Eu fazia o 'Rock em Stock' para mim"


Por Irene Leite
 09.04.2009

Perfil


Luís Filipe Barros é considerado um ícone da rádio dos anos 80, sendo que o seu percurso profissional vai muito para além do "Rock em Stock". Após o primeiro final do programa, em 1982, fez durante um ano o "Café com Leite", também na Rádio Comercial. Em 1984, abraça o "Ondas Luisianas". O ano de 1987 seria o do renascimento do "Rock em Stock", programa que lidera até 1993, data em que a Rádio Comercial foi vendida. Depois de uma passagem pela Antena 3, é nomeado director-adjunto de programas da RDP, mas em 1995, volta a assumir o microfone para fazer "O Sol da Meia Noite", já na Antena 1. Em 2004, LFB reassume o comando do "Ondas Luisianas", programa repleto de pop, rock dos anos 80, e que "tem captado um público fiel na internet", diz o radialista.


Divulgou o rock português como nunca antes o tinham feito, marcando toda uma geração. Em entrevista ao JPN, Luis Filipe Barros recorda a experiência do "Rock Em Stock".

Há trinta anos, Luís Filipe Barros iniciava um programa que ficaria bem presente na memória de muitos portugueses:era o "Rock em Stock". A revolução na forma de fazer rádio e a transmissão de uma música jovem, fresca e sobretudo, "barulhenta", prendeu os ouvintes ao programa das tardes da Rádio Comercial.

A assinalar as três décadas sobre o nascimento do "Rock em Stock", o "Berros"recorda ao JPN os momentos-chave dessa experiência "gritante" ao microfone.

JPN: O "Rock em Stock" divulgava o que de mais recente existia a nível internacional, mas também passou muito rock português. Foi isso que distinguiu o programa??

LFB: Eu fiz a primeira experiência com o Rui Veloso e os UHF. Um ano depois de termos começado, e as pessoas começarem a notar na música do programa, começaram a aparecer mais bandas entusiasmadas, ao ver que estávamos a apoiar essas duas bandas e os resultados tinham sido bons. Depois começaram a mandar maquetes e mais maquetes. Ao principio, tínhamos tudo sob controlo. Mas depois começaram a aparecer muitas bandas. Depois também apareceu o Júlio Isidro também na onda média a passar as bandas que a gente não queria, mas indicava: "é melhor ir falar com o Júlio". Ele tinha um programa na altura, que tinha muito mais força que nós, que era o "Passeio dos Alegres", ao domingo. As bandas que eram rejeitadas no "Rock em Stock" iam ter com ele

É verdade que muitas bandas, quando lançavam um novo disco ou single, colocavam um autocolante a dizer que tinham estado no "top" do "Rock em Stock"?

Pois, isso começou com os estrangeiros principalmente. Deve ter passado também com as portuguesas.Com as bandas estrangeiras, as editoras das lojas de discos punham o sticker na altura a dizer primeiro lugar no Rock em Stock. A venda estava garantida.

Era algo com muito impacto...

Não havia mercado em Portugal. Primeiro, não havia programas dirigidos a jovens. Apareceu o "Rock em Stock" nessa altura. De repente, as pessoas passaram a tomar conhecimento com as bandas lá de fora. Começou a haver um negócio, uma nova indústria em Portugal. Com o "Rock em Stock", aumentou-se a venda de aparelhos FM e gira-discos. Depois vieram os jornais de música. E começaram os concertos. Notava-se que havia um público para tudo isto. E tudo foi iniciado por nós, sem pensarmos nisso. Então começaram a vir bandas a Portugal.

Então o que levou o Luís a terminar com o programa em 1982?

Eram muitas pressões, que era uma coisa que não estávamos habituados. Depois apareciam-me quinhentas bandas a pedir para passar a música. E dessas, só gostava de uma. As editoras, ao verem que o programa tinha sucesso, queriam que a sua música passasse. Essa foi uma das razões para eu terminar com o programa em 1982. A pressão era tanta, tanta, tanta, que eu disse "esperem aí que eu já vou tratar do vosso assunto": Acaba-se com o programa!

Então o que o Luís fez depois desta primeira paragem do programa Rock em Stock?

Estive durante um ano no programa de rádio matinal "Café Com Leite", também na Rádio Comercial. Depois voltei com uma hora à tarde, com outro programa que era as "Ondas Luisianas", com música rock. Depois da meia noite até à uma, era as "Ondas Luisianas" versão da noite, com música electro pop, com os Depeche Mode , os The Cure - que tinham abandonado aquela fase mais gótica -, o Bryan Adams, o Bruce Springsteen que na altura (1984) apareceu com o "Born in USA", os U2, etc. Depois juntei as duas horas à noite, e fundi o hard-rock com a electro pop.

E havia muita diferença relativamente ao "Rock em Stock"?

Eu acho que era a evolução na altura. O Rock em Stock já tinha ficado para trás. A New Wave já tinha acabado praticamente, por volta de 1982, 1983.

E depois, quando surgiu então a oportunidade de voltar ao programa "Rock em Stock"?

Quando começa a rebentar nos EUA, o Glam Rock em 1987. Dos Gun´s Roses até aos Nirvana. Foi aí que eu apostei na música mais dura. Se as pessoas julgavam que o regresso do "Rock em Stock" seria à base dos êxitos mais antigos, ou à procura desses êxitos para continuar no programa... Não, surpreendi as pessoas e dei um passo em frente para a música mais dura. Qual era a rádio que passava às quatro da tarde Anthrax, Metallica ou Guns´s Roses? Não havia programa da tarde em Portugal, ou no mundo que passasse esse tipo de música. Foi um risco que corri, mas foi uma aposta ganha. Fui buscar uma nova adolescência ao programa na altura. [risos]

Porquê a escolha de um ritmo frenético para a apresentação do programa , que lhe valeu o apelido de "Berros"?

Eu fui muito influenciado pela rádio inglesa na altura. Quando era adolescente ouvia a Rádio Caroline. Foi a primeira estação pirata que houve no mundo e que transmitia a música que a BBC não transmitia, que era a única estação que havia em Inglaterra. Era uma estação que era feita num barco com uns disc-jockeys, uns locutores que falavam muito depressa a imitar os americanos. E eu ouvia essa estação em Portugal no rádio a pilhas. A forma como eles falavam influenciou-me bastante.

O programa tinha um alinhamento fixo com orientações específicas?

Nenhum. Por exemplo, a gente hoje vê que a banda tal é conhecida através deste single ou de outro. E em Portugal, as pessoas só conheciam outras músicas que eram as músicas que eu passava. Porque eu escolhia. Eu nunca seguia as orientações das editoras. Por isso é que passava várias músicas de bandas que são só conhecidas em Portugal, enquanto o êxito dessa banda lá fora, em França, Inglaterra, Holanda, Suíça ou EUA, era outra música. Depois, eu era capaz de tocar a mesma música quatro vezes numa hora. Porque era o prazer que eu tinha. Eu estava-me borrifando para que as pessoas dissessem que eu estava a apertar com aquela música e a tentar influenciar. Não, eu fazia o programa para mim. Se pensasse que havia gente do outro lado a ouvir o programa, eu acho que não era capaz de fazer metade do que fiz.

Então dominava o desconhecido para o ouvinte, quando começava o programa?

Bem, eu começava o programa com a música da semana, escolhida por mim. Depois dali para a frente, era como nas discotecas. Eu não tinha uma pré-lista. Levava cerca de 60 álbuns e tocava na altura o que me dava na cabeça.

Em todos esses anos de "Rock em Stock", o Luís deve ter certamente histórias engraçadas para partilhar...

Sim. Lembro-me de ter recusado dar uma entrevista aos Supertramp. Porque eles não queriam dar entrevistas a ninguém em Portugal a não ser ao programa. De maneira que eu não quis dar a entrevista em solidariedade com os jornalistas portugueses. É chato. Eles eram também precursores do nosso trabalho [risos].

Qual o balanço que faz dos 30 anos deste programa?

Nestes trinta anos, pareço um Paul McCartney, quando falam dos Beatles de há 40 ou 50 anos, com as devidas distâncias, claro [risos]. Mas é agradável saber que fizemos um programa que valeu a pena e que ficou na memória de muita gente.

Extraído do jpn.blog (jornalismo ponto net)

Luis Filipe Barros com Luis Romão
a escolher os discos para passar à noite na Green Hill
(fotos cedidas por Paulo ''Toyota'' Aguiar)



 
 
 
 
PARTE 4
 

ADELINO GONÇALVES - DISCOTECA

"Get Down To" Discoteca


Por Eurico Monchique

10.01. 2003

No início dos anos 80, muitos alunos tinham que sair a correr do liceu ao fim da manhã. Em casa, havia um programa de rádio para ouvir: Discoteca, na Rádio Comercial. Realização e apresentação de Adelino Gonçalves. Foi nas ondas hertzianas que muitos ouviram pela primeira vez pérolas da música negra e de dança - das quais Adelino Gonçalves agora escolheu 34 e reuniu numa colectânea. O Y decidiu viajar no tempo e saber quer das músicas, quer do homem da voz de ouro.

"Eu estava a fazer o Contacto na onda média [da Comercial] e o Jaime Fernandes queria que eu fosse para o FM. Havia um espaço ao domingo à tarde, de quatro horas, e que era um alternativa ao Passeio dos Alegres, do Júlio Isidro, na RTP1, e aos relatos de futebol", conta Adelino.

Como tinha carta branca e não queria apenas cruzar discos, decidiu "experimentar num espaço tão longo a música que só se ouvia nas discotecas, que as pessoas tinham que ir às discotecas ou 'boîtes' para dançar e tomar conhecimento, porque não se ouvia em rádio. Achei interessantíssimo, era um filão, e que se adaptava à experiência." Mas houve problemas logísticos... "Não havia música. Havia um circuito de importação para os DJ, muito restrito, um bocado à candonga, porque era contra a lei... E eram preços exorbitantes, vinham coisas da América, algumas de Londres. Fui ter com alguns DJ e disse: 'Eis uma óptima ideia para fazer um programa - música negra em todas as vertentes, soul, funk.' E nos primeiros programas socorri-me do José Maria Corte-Real e do Darwin Cardoso. E foram passando a palavra e foi-me chegando muita música."

E no Verão de 81 a Discoteca foi para o ar. "Das 14h às 18h. Foi tão bem recebido que passou para um horário diário, das 13h às 15h. Um horário ingrato, mas que mesmo assim lhe valeu ser por duas vezes líder de audiência."

O programa ultrapassou as expectativas... "Não queria fazer um programa como os outros. Queria fazer divulgação, comecei a fazer pesquisa, pedia informação às editoras dos artistas lá fora, lá me punha a fazer grandes especiais."


E assim criou público que não havia?

"Havia um público que ia ao Charlie Place, ao Antigo Charlie Brown, ao Bananas, os frequentadores das discotecas, e que gostavam de ouvir essa música na rádio; e criei um novo tipo de ouvintes, que era a malta que não estava sintonizada com esse tipo de música e que passou a ouvir o programa. Foi ao contrário: começou a ouvir o programa e depois a ir à discoteca."

E agora?

"Não sou um revivalista militante. Acho que nos anos 80, na música negra havia muito mais por onde escolher, quer fosse a soul music, a mais tradicional, a mais ortodoxa, quer fosse o funk com raízes no jazz, quer fosse a mais deliberadamente de dança. Em muitas situações agora há 'déjà vu'. Por exemplo, Morcheeba... já ouvi isto. O próprio Robbie Williams, com o 'Rock DJ', foi buscar a métrica ao 'Saddle up', do David Christie."

Como foi a escolha (da colectânea para o CD Discoteca)?

"Foi uma selecção da selecção da selecção... Saiu uma colectânea do Rock em Stock, depois uma do Som da Frente [também programas da Comercial nos anos 80], e pensei: tenho que fazer uma colectânea da Discoteca. Como tenho os originais todos, em vinil, guardados religiosamente, numa semana cheguei a reunir cento e tal temas, depois decidi dar uma no cravo e outra na ferradura: uns que foram êxitos, e outros que se circunscreveram aos mais assíduos ouvintes da Discoteca. Consegui chegar a estes 34."

Há temas que seriam sempre escolhidos, como "On the beat", da BB & Q Band, que "é o hino da Discoteca, foi o primeiro número 1 [no top dos ouvintes]"; e algumas ausências estranhas, como "The Crown", da Gary Bird Experience. "Não estava disponível. O disco é da Motown, e a Universal, que é a representante, já não tinha os direitos disso. É a grande lacuna. Mas alguns ficaram de fora, porque foram tão ouvidos - por exemplo o 'I Feel For You', da Chaka Khan - que podia prescindir deles."

Terminada a década de 80, Adelino desapareceu...

"Passei pela Rádio Energia. A ideia do Luís Montês [director] era eu reformular a música, porque aquilo vinha com alguns vícios metaleiros. Fui à experiência, e não queria ficar com o odioso de impor às pessoas que tinham transitado o meu gosto e ao fim de um ano preferi ir embora. E aí acabou a rádio."

Está desiludido com o rumo que a rádio em Portugal tomou?

"Completamente. Perdeu-se a personalidade, não há espaço. Não quero com isto dizer que não deva haver rádios onde se siga a 'playlist' - mas não apenas a 'playlist'. E dentro dela poder-se personalizar. Era esse o encanto, o 'opinion maker'. A voz que está na rádio A é igual à da rádio B. Há colegas que se queixam, as directrizes são no sentido de falar o menos possível."

Mas desligou-se da música?

"Ouço música, mas não sou um ouvinte predisposto à rádio. Ouço mais as minhas cassetes. Vejo a VH1 e a MTV [canais de TV por cabo], se bem que na MTV alguma coisa passa-me ao lado. A VH1 peca por excessiva repetição, mas compreendo que eles não tenham muitos clips. E faz falta explorar um filão, toda a memória dos anos 80. E a rádio tem essa vantagem de que a música não envelhece, ao contrário do vídeo. Dá-me gozo ter um filho de 13 anos que, com alguma influência minha, ouve música dos anos 80, com a qual se identifica, e então digo-lhe: 'Isto saiu em 1987, agora ouve isto que é de 2001, ouve as duas versões e diz-me o que gostas mais', sem ele saber qual é uma e qual é a outra, e ele gosta mais da música dos anos 80."

E há ainda a pilhagem de ritmos e samples dos anos 80, que Adelino considera "excessiva". "Mas dá-me um certo gozo ver essas coisas, vê-se que foi uma década muito cheia."

Adelino Gonçalves, pasme-se, tem apenas 42 anos. Agora está no meio da publicidade, das vozes para filmes, jingles, anúncios. Por exemplo, é a voz da Rádio Capital - o que está certo, pois é "para quem gosta de música". E não descarta a possibilidade de voltar às ondas hertzianas, pois o bichinho nunca morre. Por agora, já está a pensar numa segunda colectânea da Discoteca, desta feita com os temas mais pop.


DISCOTECA - DESCRIÇÃO

O programa começou no Verão de 81. O primeiro horário era aos fins de semana entre as 14h às 18h.

O programa passou depois para um horário diário, das 13h às 15h.

Colaboraram no programa nomes como José Maria Corte-Real (O Espião Que Veio do Frio), Eduardo Guerra, entre outros.

No programa eram divulgadas as listas da Bilboard como "Black Singles" e "Hot 100" e o top inglês.

Música portuguesa não era muito frequente. Mas passaram por lá, por exemplo, Rui Veloso (Cavaleiro Andante), Rádio Macau (A Vida Num Só Dia), Bluff (Mamma Mia), Spunky (Latino Americano) e Heróis do Mar.

Além do power-play tinhamos acesso às novidades que marcavam os dois mercados mais importantes.

Alguns dos géneros que passaram pelo programa:

Rap e Hip Hop (os nomes ligados ao Break-Dance e os seguintes)

High Energy (Hazel Dean, Dead Or Alive, Evelyn Thomas,...)

Go-Go (a cena de Washington)

House (Farley Jackmaster, Steve Silk Hurley,...)



ARTISTAS DIVULGADOS PELO PROGRAMA

Peabo Bryson e Roberta Flack, Rockwell, Robbie Rae, Fat Larry's Band, Gary Bird & G.B. Experience, Dazz Band, Jackie Graham, Shannon, Mantronix, Val Young, Madonna, Rock Steady Crew, Jermaine Stewart, entre muitos outros.

Olhando para trás, e numa homenagem aos que ajudaram a definir uma era, mas de que agora só nos lembramos através de avivadores de memória como esta colectânea, ficam os resumos do destino de:

B. B. and Q. Band ("On tha beat", 1981)

- O "hino" da Discoteca foi o ponto alto de uma banda reunida pelo produtor Fred Petrus em 1981, com músicos de Brooklyn, Bronx e Queens (de onde as iniciais do nome). A voz principal era de Ike Floyd, e Luther Vandross fazia coros. Após mais alguns discos esquecidos com formações sempre alteradas, tudo terminou em 1987, quando Petrus foi encontrado morto a tiro numa piscina da Cidade do México.

Falco ("Der Komissar", 1982)

- Uma das cartas fora do baralho: branco, austríaco e a cantar em alemão, Johann Holzel, sob o pseudónimo Falco, vendeu mais de sete milhões de exemplares de "Der Komissar", mistura de sintetizadores neo-românticos e vocais proto-rap. Após alguns êxitos, abandonou a Áustria para escapar à invasão dos "media", acabando por morrer em 1998 num acidente de automóvel na República Dominicana.

Five Star ("Cant wait another minute", 1985)

- Cinco irmãos do condado de Essex, Inglaterra, que, com o pai como manager, conseguiram nos meados dos anos 80 uma série de êxitos soul/pop, muito ajudados pelas rotinas de dança. "Can't wait another minute" foi um dos sete singles do álbum de estreia, cujos lucros permitiram a compra de uma grande propriedade. Depois a boa estrela perdeu brilho. No princípio dos anos 90, o grupo, agora reduzido a um trio, mudou-se para a Califórnia, e continua a actuar ao vivo.

Kool and The Gang ("Get down on it", 1981)

- Veteranos da cena funky (o primeiro álbum foi editado em 1969), o grupo de Jersey City roda à volta dos irmãos Robert ("Kool") e Ronald Bell e era na passagem da década de 70 para 80 uma máquina de êxitos, como "Celebration" ou "Ladies Night". Em 1987 iniciaram projectos a solo, e só em meados de 90 se reuniram para grandes digressões celebratórias.

Shalamar ("I can make you feel good", "A night to remember", 1982)

Os Shalamar foram criados em 1977 pelos produtores Dick Griffey e Simon Soussan. Jody Watley, Jeffrey Daniels e Howard Hewitt eram os vocalistas da formação que gravou o LP "Friends", de onde foram retirados estes dois singles, excelentes peças de moderno R&B. Watley saiu em 1984 para uma aventura a solo, o que marcou o começo do fim, oficialmente decretado em 1990.

Rick James ("Superfreak", 1981)

- O "superbad" do funky and roll começou, por estranho que pareça, nos Mynah Birds, com... Neil Young! "Superfreak", com a sua famosa linha de baixo (mais tarde samplada por MC Hammer em "U Can't touch this") e letras sugestivas, é um dos padrinhos do rap. Entre 88 e 97, não gravou, entregando-se ao deboche e sendo internado no hospital várias vezes. Depois casou, assentou e tentou voltar às lides musicais mas com pouco êxito, optando por reeditar o "Street Songs", onde estava inicialmente "Superfreak."