segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

A CAMINHO DA ADOLESCÊNCIA - O MEU PEQUENO MUNDO



Visito de novo a minha antiga casa da Rua do Jardim e percorro as suas divisões que consigo atravessar sem voltar atrás dada a estranha planta da casa e chego de novo junto à entrada, entrando agora no meu antigo quarto onde passei toda a minha infância. Visto agora por um olhar de adulto era pequeno e estreito mas na altura sentia-o suficientemente grande para dar largas à minha fantasia.

Na parede que servia de fundo, oposta à da janela da rua, situava-se uma porta que dava directamente para as escadas de serviço, mais uma situação estranha na tipologia da casa que nunca entendi, esta do andar ter duas entradas a partir das escadas principais.

Claro que tendo aqui vivido até aos meus dez anos, os meus pais mantinham-na permanentemente fechada e estava discretamente tapada até meia altura por uma escrivaninha que os meus pais me ofereceram quando fui para a primária e na parte superior a minha mãe tratou de forrar o que estava à vista da porta com um tecido de escocês verde e preto onde posteriormente colei postais com automóveis antigos, as D. Elvira, como lhes chamavam na época, que recebera de colecção.

À direita do quarto, encostado à parede ficava o divã que me servia de cama e que era coberto por uma manta de tecido igual ao forro da porta, o escocês verde e preto.

Ao longo da parede, a toda a extensão da cama os meus pais pregaram várias estantes de madeira escura e trabalhada, onde colocava a minha colecção de automóveis antigos da Dinky Toys e da Corgy Toys à escala 1/43 que o meu pai me trazia de cada uma das suas viagens ao estrangeiro. Ainda hoje conservo alguns desses carros.


Na parede oposta outras estantes expunham outros brinquedos de maiores dimensões. Um Porsche 912 cor de laranja e matricula suíça, um Aston Martin DB5 cinzento prata igual ao do James Bond e que quando se pressionava a antena mudava a matricula, tal e qual o original fazia nos filmes ‘’Golfinger’’ e ‘’Thunderball’’. Mais tarde veio a juntar-se a esta colecção à escala 1/32 um Ferrari 365 vermelho a pilhas que trazia a particularidade de ser comandado à distância através de uma pequena consola de comandos ligada ao automóvel por cabo eléctrico. Os primórdios dos carros telecomandados.

Só recebia brinquedos desta dimensão como prenda de Natal dos meus avós e as prendas dos vários anos acumulavam-se nessas prateleiras, uma diligência a pilhas (e sem cavalos) que acendia uma lâmpada no seu interior possibilitando ver a silhueta dos seus passageiros, um robot, e um pequeno astronauta articulado que veio dentro de uma lata litografada com uma imagem do solo lunar, comemorando a chegada da Apolo 11 à Lua em 1969. Numa caixa no chão guardava a minha colecção de cowboys e índios, ansioso pela chegada de mais um aniversário que me traria as caravanas, as pirogas e os totens e quem sabe a aldeia índia, as casas do faroeste ou mesmo o tão desejado e inacessível forte, que nunca chegou!

Ao topo da cama, na parede, tinha uma peça em plástico azul com um anjo da guarda e todas as noites rezava:

Anjo da guarda
Minha companhia
Guarda a minha alma
De noite e de dia.

Da janela do meu quarto avistava por completo o primeiro quarteirão da rua e daí vivia com intensidade os episódios quotidianos das várias famílias e comerciantes.

À esquerda avistava o belo edifício rosa que fazia esquina com a Rua Heróis da Grande Guerra, o prédio onde ficava o consultório do meu dentista, o Dr. Lamy e a loja do Sr. Gaspar, pai do Paulo ‘’Badaró’’.

Foto de Dias Reis

Seguia-se uma enfiada de prédios e eventualmente algumas lojas que perdi na memória.

Quase diante do meu prédio ficava a casa de um alfaiate com bastantes filhos com a  particularidade de serem todos muito louros, parecendo nórdicos . O senhor ainda é vivo e guardo dele a recordação da sua afabilidade.

Diante deste prédio, no edifício vizinho ao meu ficava o celeiro do meu tio Leonel Ladeira, onde passei muitas horas brincando, enterrando as mãos nas tulhas de cereais e conhecendo os diferentes tipos de cereais. Era um local seco mas fresco, ideal para os dias de Verão. Por aí abaixo, na direcção da rua principal que atravessava a cidade, ficava entre outras casas, uma loja de electrodomésticos com enormes televisões Telefunken na montra, um sapateiro, gordo e forte como um touro, o Sr. Carlos e a sapataria Super América.



No prédio diante do meu vivia o Sr. Norberto no rés do chão e assisti ao longo namoro de janela da Anabela com o Chico Cera.

No último andar desse prédio viviam os Bonécios, o João e a Fatinha e falávamos de uma janela para outra durante horas a fio. O seu pai trabalhou, julgo eu, na empresa do meu pai e foi mais tarde gerente do Bocage. Emigraram por duas vezes para a América e por lá ficaram.


Ainda me recordo do seu Vauxhall Viva HD cinzento. Aliás as memórias das pessoas dessa rua, então ainda aberta ao trânsito que provinha quer da Rua Capitão Filipe de Sousa quer da Rua Leão Azedo, são também as memórias dos seus carros. O Peugeot 403 e mais tarde o Ford Cortina GT do meu pai, os Ford Cortina do meu tio, o Ford Taunus do meu avô paterno que não raras vezes estava estacionado na Leão Azedo, onde aliás se estacionavam os carros dos moradores da rua e dos seus visitantes, o Morris van com armação de madeira de um dos comerciantes bem como um Fiat Multipla que desconheço o proprietário, vários Citroen Ami 6 e Ami 8, um Ford Taunus 17M ‘’Sabonete’’ e ainda uma longa série de Opel Kadett e Record, Renault 10 e 8, Simca 1000, Fiat 1100 e 1500, Peugeot 404 e o 203 azul do Dr. Mota que vivia na Filipe de Sousa no mesmo prédio do meu avô, donde aliás provinha o Fiat 1500, o VW carocha do Sr. Dinis, um dos donos da Farmoeste e o espantoso VW Kharman Ghia da D. Helena Pinto Bastos, a ‘’Cabelos no Ar’’, a excêntrica proprietária da Mansão da Torre e visitante diária da nossa rua. Na realidade eram mais as carroças puxadas por bois e camponeses montados nos seus burros que transitavam na nossa rua do que automóveis, tornando possível que jogássemos à bola ou brincássemos aos policias e ladrões em plena artéria.


Por baixo de minha casa ficava a Farmoeste, um grande armazém de produtos farmacêuticos que se estendia até ao Beco do Forno nas traseiras da minha rua e para onde davam também as escadas de serviço do meu prédio.

Quase diante do meu prédio, ao lado da casa dos Bonécios ficava uma drogaria com os seus tradicionais alguidares e vassouras à porta. A sua proprietária tinha dois filhos já a entrarem na idade adulta e lembro-me como se fosse hoje da sua alegria que se propagou a toda a rua quando o seu filho mais novo regressou da tropa na Guiné, a fazer lembrar a cena da chegada da filha do Brasil (a actriz Maria da Graça) no filme ‘’O Pátio das Cantigas’’ de Francisco Ribeiro (Ribeirinho)!

Ao seu lado ficava a tenebrosa, pela reputação que tinha entre as crianças, escola primária da D. Perpétua com os seus então prosaicos métodos de reguadas e o mal afamado e temido ‘’quarto escuro’’.

Mais ao lado ainda, ficava a casa dos irmãos Albuquerque, já idosos e amigos do meu avô materno.


Entretanto, do meu lado da rua e ao lado da Farmoeste ficava até há pouco tempo uma tipografia muito barulhenta que imprimia todo o tipo de documentos necessários à actividade comercial caldense. Muitas vezes, pela urgência das suas encomendas, trabalhava até altas horas da noite enchendo a rua com o seu matraquear característico.

Algumas portas ao lado e mesmo no topo da Rua Leão Azedo ficava uma tradicional e pitoresca taberna com portas de batente como os Saloon do Faroeste e enormes pipas por trás do balcão. Aí ia eu, único rapaz da casa, comprar cigarros da marca Sagres para a minha mãe.


O meu pequeno mundo da Rua do Jardim (Alexandre Herculano) terminava geralmente por aí. Para lá desse quarteirão, da esquina com a Rua Leão Azedo já só conseguia a custo ver a Funerária Neves, a mercearia do avô do Rui Rodrigues, meu cunhado, com os seus cachos de bananas de que era importador, à porta; a Pensão e Restaurante Lanterna da D. Alice e de onde eu via sair as moças com as merendeiras para entrega de refeições ao domicilio e as várias outras pequenas lojas e armazéns que se estendiam até ao cimo da rua.


Quando a rua se tornava calma e bucólica e a sala não me atraía, cirandava pelo prédio, os meus primos viviam no segundo andar e o terceiro andar, apesar de parcialmente mobilado, guardava os nossos brinquedos e fazia de quarto de brinquedos e centro de brincadeiras de toda a família que ocupava inteiramente o prédio.

Aqui guardava eu os outros brinquedos que serviam para jogar com as minhas irmãs e os meus primos, o Subbuteo e o Sabichão, o Mikado e o Loto, as pistas de comboios e de automóveis.


Em dias de sol saía para as traseiras.

Da porta da marquise da minha cozinha acedia aos pátios interiores, situados entre o nosso prédio e os prédios vizinhos que davam para o Beco do Forno. Era aí que passava a maior parte do dia. Compráramos um baloiço que consistia numa placa circular de plástico vermelha com uma corda presa ao centro e que atámos a extremidade a um corrimão da escada de serviço. Digladiávamo-nos entre irmãos pela nossa vez de andar no baloiço e era aí no esconso por baixo das escadas de serviço que guardava a trotineta que me fora oferecida pelo meu avô materno que a comprara nos Armazéns do Chiado na Praça da Fruta, onde agora fica o edifício do Millenium. Já a pequena bicicleta vermelha que ganhara dos meus avôs paternos no Natal de 1968 ficava guardada na pequena arrumação que ficava no fim das escadas de serviço, junto à entrada do Beco do Forno e onde guardávamos a lenha para a lareira.


Nesse pátio ou terraço, jogava à bola sozinho chutando-a contra a parede e tentando jogar sempre ao primeiro toque, quando me cansava ou aborrecia desta brincadeira, deitava-me no chão em cimento e ficava extasiado a olhar para o céu azul tentando dar formas às nuvens que passavam sopradas pelo vento. Ursos e castelos, caracóis e coelhos, comboios, vacas e touros, tudo me passava diante da vista.

Um dia, fascinado pelos livros de banda desenhada americana, peguei numa camisola interior branca que se utilizava nessa altura e pegando numa esferográfica azul (que só podia utilizar em casa uma vez que na escola primária, no Colégio Ramalho Ortigão, apenas podia usar as canetas de tinta permanente) desenhei dois raios em V invertido ao peito e sob eles o planeta Saturno. Apesar desse desenho auto-intitulei-me Capitão Vénus e com um tubo de plástico preto - daqueles que servem de lombadas de encadernações - com raios pintados a tinta branca a fazer de ceptro mágico, de espada ou de lança-raios, dependendo da ocasião, vivi e imaginei inúmeras aventuras de quem brinca sozinho.

No último andar da escada de serviço existia um velho tanque de lavar a roupa e nele coloquei dois belos barcos e um submarino que recebi de presente, aí permaneceram até a água ficar pútrida por não saber mudá-la. Julgo que quando mudei de casa, os barcos e o submarino lá ficaram, esquecidos, no fundo do tanque.

Eram tempos diferentes, ainda o meu avô não construíra uma das primeiras fábricas de conservas do país e onde o grão e o feijão eram demolhados em alguidares, as favas e as ervilhas descascadas em clima de festa, na cozinha com as empregadas, a Elvira, a Elisa e mais tarde a Fernanda e a Manuela e finalmente a Júlia que me acompanhou na primeira noite na nova casa no Burlão. Em que brincávamos com os coelhos, patos e galinhas antes de estes serem mortos, esfolados e depenados no pátio enquanto frequentávamos a escola, para nos poupar ao horror da matança e ao desgosto de perdermos os animais de estimação.


Em que o puré de batata se fazia cozendo as batatas e passando-as depois pelo ‘’passe vite’’. Em que fazíamos os pastéis de massa tenra e rissóis e ajudávamos a formá-los com copos ou cortá-los com o corta massa de rodinha dentada. Em que a sua massa era feita em casa com farinha, água e sal, e esta era batida e estendida com o rolo durante minutos a fio! Em que comíamos gemadas, mingaus feitos de farinha Maisena e pudins Mandarim em pequenas formas de aluminio.

A cozinha era também o local da casa mais frequentado por nós e como nesse tempo se perdiam longas horas na confecção das refeições – até o leite tinha de ser fervido e a manteiga, marmeladas, geleias e compotas eram de produção caseira – as empregadas personalizavam muito aquele lugar e uma tarde a Fernanda lembrou-se de pintar um mural na maior parede da cozinha que assim ficou adornada por longos anos por uns belíssimos papagaios!

Quando nem os pátios das traseiras me chegavam, escapava para o Beco do Forno, uma ruela em terra batida que ficava nas traseiras do meu quarteirão e a que tinha acesso directo por umas íngremes escadas de serviço que partiam dos pátios do meu prédio e que passavam por baixo do prédio das traseiras, o prédio onde viviam os meus tios avós Francisco ‘’Taquinho’’ e Porfiria e que nas tardes frias de Inverno me recebiam de braços abertos após a escola para tomar um cacau quente ou comer uma linguiça assada.

Esse beco desembocava na fábrica de móveis dos Oliveira e durante parte do dia estava ocupado com grandes camiões Scânia e Bedford que efectuavam as suas cargas de mobiliário e descargas de madeiras mas quando estes partiam o beco ficava livre para que os clientes da Taberna do Antero, uma das mais populares da cidade, pudessem exercitar os seus dotes e libertar-se dos vapores do álcool no tradicional jogo da malha.


Estes eram muitas vezes trabalhadores eventuais que ajudavam na central de camionagem dos Capristanos (mais tarde Claras) e também nas cargas e descargas de mercadoria na Praça e em cuidar dos burros e bois que puxavam as carroças ou carregavam no dorso os produtos das hortas e dos pomares das cercanias e que eram instalados em estrebarias situadas nas Ruas do Diário de Noticias e do Parque.

Entre a assistência às disputas do jogo da malha e o trabalho de artesão dos curtumeiros de uma oficina de peles que pertencia à Sapataria Félix se passavam muitas tardes apenas intercaladas por idas em correria ao Nutripol, o primeiro supermercado a abrir na Caldas e que se localizava na Rua Heróis da Grande Guerra mesmo diante da embocadura do beco.

No último dia de Fevereiro de 1969 aconteceu o grande tremor de terra. Ouvimos os lustres de cristais das salas a tiritarem e tudo a abanar. Os meus pais pegaram em nós e levaram-nos para a segurança do enorme terreiro de cimento que fora construído junto à nova fábrica no Lavradio, na estrada de Tornada. Muitas outras famílias juntaram-se a nós e ai permanecemos por uma ou duas horas até o meu pai sentir que já seria seguro voltar para casa.


Passámos ainda ao Burlão, cujos prédios estavam ainda em construção e mal imaginando que para um deles nos mudaríamos quatro ou cinco anos depois e verificámos que grande parte da população tinha-se dirigido para aí, para o grande e amplo descampado da nova Praça Oliveira Salazar, longe dos prédios que temia-se pudessem ruir. Ao voltarmos a casa constatámos que enormes rachas se tinham aberto no estuque de todas as paredes da casa. Muitos anos depois as marcas desse tremor de terra ainda eram visíveis em muitas habitações da cidade.

O sismo teve a magnitude de 7,3 e nunca mais houve um tremor de terra como aquele em Portugal. Faz hoje 42 anos!

Passaram-se os anos. Em 1969 tinha passado para a primária no Externato Ramalho Ortigão e todos os dias, nos primeiros dois meses acompanhado e depois sozinho, saía de casa, atravessava a Heróis da Grande Guerra ou a Leão Azedo e apanhava o autocarro do Claras que nos levaria ao Colégio depois de um percurso pela cidade para recolher outros alunos. E foi assim que testemunhei a construção do Burlão e a todas as alterações que foram sendo efectuadas na Avenida da Estação.

A saída de casa de manhã, nos primeiros tempos, eram particularmente penosas, estava sempre bastante ensonado e como não existiam ainda as mudanças da hora de acordo com as estações do ano, as idas para a camioneta eram sistematicamente efectuadas ainda de noite e a central de camionagem recebia-nos com uma feéricas luzes amarelas. Como sempre, a D. Clarisse, professora do Colégio, era a primeira a chegar e a ocupar o seu lugar na primeira fila ao lado do condutor.


Recordo-me muito bem de muitos dos alunos que apanhavam ali o autocarro incluindo as raparigas mais velhas que frequentavam já os anos mais avançados do Colégio, até ao antigo 7º ano (hoje 11º de escolaridade).

Ao almoço vinha a casa e conseguia ver para além da abertura da emissão, os desenhos animados do Tintim e uma série de TV que conforme o dia da semana, poderia ser ‘’Viver no Campo’’ com a Eva Gabor, ‘’Por Favor Não Me Comam os Malmequeres’’ com a Doris Day, ‘’Uma Mãe para Eddie’’, ‘’O Fantasma e Eu’’, ‘’Os Meus Sobrinhos’’, ‘’Julia’’, ‘’Mary Tyler Moore Show’’ ‘’A Familia Partridge’’ e ‘’I Love Lucy’’ e um programa chamado ‘’Feminino no Singular’’ que não me animava particularmente mas que tinha que gramar todos os dias.

Nas tardes de sábado via os desenhos animados do Kimba e as séries ‘’Bonanza’’, ‘’O Cowboy em África’’, ‘’Daktari’’, ‘’Lassie’’, Skippie’’, ‘’Zorro’’, ‘’Fúria’’, ‘’Monty Phiton’’ ‘’Daniel Boone’’ ‘’Polly em Espanha´´, ‘’Flipper’’, ‘’O Rei e Eu’’, mais tarde ''Os Pequenos Vagabundos'' e os documentários apresentados pelo Walt Disney.

À noite via o ‘’Olho Vivo’’, o ‘’Casei com uma Feiticeira’’, e os desenhos animados dos ‘’Flintstones’’. Se os meus pais me permitiam via então o ‘’Dr. Kildare’’, ‘’O Fugitivo, ‘’McCloud’’, ‘’O Casal Mac Millan’’, ‘’O Santo’’ e ‘’Os Persuasores’’.


Com o decorrer dos anos, os meus pais foram-me permitindo sair sozinho de casa. Primeiro até à Zaira, pois só teria que atravessar uma rua com trânsito a pé, a Rua das Montras, que chegou a ter um semáforo no cruzamento com a Praça e ainda antes dois Policias Sinaleiros em cada ponta, na Praça e no cruzamento entre a Heróis da Grande Guerra, a Almirante Reis (Rua das Montras) e a Miguel Bombarda (Rua dos Bombeiros).

Mais tarde permitiram-me passar a Praça e ir até ao casino, ao parque e a casa do Kiko no fim da Rua do Parque, locais onde passava a tarde.

O meu mundo alargava-se finalmente e expandia-se para além dos limites da minha rua e do meu quarteirão.

Ainda na casa da rua do Jardim terminei a Primária e entrei no Ciclo Preparatório, agora na Escola Industrial e Comercial pois sabia-se já que o Colégio iria terminar com o aparecimento do Liceu oficial.

Um dia os meus pais informaram-nos que iríamos mudar para uma casa, não maior mas mais adequada em termos da disposição de divisões, situada no Burlão. Exactamente para o mesmo andar onde tinham até há pouco morado o Miguel e a Blica Crespo Caetano, meus amigos.

Instalei-me no meu novo quarto , o antigo da Blica, por belas tardes e ainda sem lá viver fui decorando-o com posters, o Tyrrel 006 do Jackie Stewart, um tigre, uma imagem psicadélica da ópera-rock Jesus Christ Superstar que uns anos mais tarde daria a imagem da nossa primeira discoteca particular.

Mal instalaram uma cama naquele quarto, transportei uma série de livros para a nova casa e ainda os pintores e estucadores davam os últimos retoques à casa já eu me apossara do meu quarto por longas horas da tarde. Não sei se este novo quarto era maior ou mais amplo que o anterior mas tinha sobretudo uma nova vista, novos amigos para fazer e novas ruas para atravessar, um novo mundo para explorar.


COMENTÁRIOS ADICIONAIS

António J F Albano

Estou no meu mundo de criança :):)....A senhora da drogaria era a Srª Célia e a loja dos televisores pertencia ao Srº Inácio Abegão que se mudou para esse loja após o sismo de 1969. Vindo mais tarde a abrir uma loja de maior área ao lado da tal taberna de portas de saloon um pouco mais acima onde era o stand da Skoda que na altura era uma marca muito invulgar no nosso mercado. A mercearia ao lado do Sr. Silva que vendia chapéus e roupa e da barbearia do Lousada era explorada pelo Sr. Joaquim


Paula Bispo

E a pensão da D.Alice....(só muitos anos mais tarde "A Lanterna"....isto quando a D.Alice adoeceu)....foi precisamente onde eu nasci........Na pensão da minha madrinha além de toda a comida ser deliciosa, ela fazia uns pastéis de massa tenra... como NUNCA mais comi nenhuns.....NENHUNS!!!! Eram deliciosos e não chegavam para as encomendas.....(Temos a receita, mas...não é a mesma coisa!....)

As carroças puxadas por bois...a que fazes referência e que desciam assíduamente a RUA do JARDIM....iam carregadas de lenha para deixar na FÁBRICA do GATO PRETO....(que era quase ao lado da PENSÃO da D.ALICE...).e onde eu ia muitas vezes buscar umas cavacas e outos doces.....OH,mesmo  ali ao lado, era uma tentação!!!!!E também aí havia a TINTURARIA do ADELINO......(Que ainda é vivo, mas toda a família está na América....ele, mulher, filha, genro, netos.......TODOS!!!)....

(Acerca das merendeiras) Sim....eram chamadas "lancheiras"...por baixo ia a sopa e por cima a comida. Nós adorávamos ir com as "criadas" (naquele tempo eram assim chamadas) fazer as entregas ao domicilio.....porque as pessoas davam gorjetas e elas dividiam connosco.

Na pensão da minha madrinha havia um telefone onde se colocava uma moeda de 5 tostões e quando a outra pessoa atendia carregava-se para a moeda cair e só assim se conseguia falar ao telefone!


Ler também a crónica: RUA DO JARDIM de António J F Albano


PACHÁ E A TABERNA DO ANTERO - UMA HISTÓRIA COM 45 ANOS
Texto Complementar à crónica ''O Meu Pequeno Mundo''


As tabernas, que agora deram lugar a snacks, bares e cafés, eram até esta evolução, lugares de convívio e de encontro entre muitos homens. O acto de beber um copo de vinho deu lugar a outro tipo de bebidas que tomaram o lugar desse néctar dos deuses. O Pachá, anteriormente conhecido como o Antero, conserva ainda muitos costumes típicos da vida portuguesa, caso da taberna.

Antero Feliciano está a tomar conta do Pachá vai para 45 anos. Anteriormente chamada taberna do Antero, este estabelecimento tem vincado muito a vida social das Caldas da Rainha, numa cultura de beber um copo de vinho e também de juntar o povo das aldeias e das diferentes áreas da sociedade.

O Pachá, quando Antero Feliciano ali chegou, não era nada daquilo que é hoje, dantes havia horas em que quase se dormia, porque não havia clientes e por vezes também ia para a estrada ver os carros a passarem de hora a hora e pessoas passearem na rua sem alcatrão. Desde esse tempo muita coisa mudou, e para conquistar clientes arranjou uns petiscos, principalmente para os carteiros, eram três na altura, que todos os dias ali iam. Mais tarde começaram a frequentar o estabelecimentos os elementos da família Capristanos, da Rodoviária, fazendo da taberna do Antero um local de passagem e de contacto habitual.

Com este crescendo de clientela, Antero Feliciano, que só tinha a taberna, adquiriu a sala de cima, e definitivamente, comprou o seu espaço comercial, à viúva do Coradinho, o antigo proprietário, e com este negócio o Pachá e a taberna do Antero evoluíram para o que se vê hoje.

Um dos desejos de Antero Feliciano era que estes espaços prosseguissem, mas este tipo de comércio, agora sob administração dos seus dois filhos, poderá ou não continuar. “Aqui passam-se bons bocados com os amigos, para além da gente fazer negócio, porque vem para aqui muita gente e é um local de passagem das Caldas, agora à segunda-feira e antigamente ao sábado, porque era o dia que as pessoas recebiam do seu trabalho do campo”,manifestou.


Antero Feliciano, na foto com a sua esposa,
foi durante muitos anos quem dinamizou o agora conhecido Pachá

A história da abertura desta casa é um caso de ajuda e de oportunidade, porque na altura em lhe propuseram o negócio, Antero Feliciano trabalhava no campo e como todos os outros também esporadicamente vinha às Caldas e vinha ao Coradinho. Num dia que veio a casa estava em trespasse, e custava dez contos, que na altura era muito dinheiro. O seu padrinho propôs-lhe ficar com o estabelecimento, mas Antero não tinha dinheiro. O padrinho emprestou-lhe o dinheiro, que Antero Feliciano lhe pagou, alguns anos depois, porque na altura fazia-se 26 escudos de caixa e pouco mais.

Quando abriu o Antero, o preço dos copos de vinho era a cinco tostões e os maiores e a dez o areeiro, agora conhecido por penalti. Na altura só era permitido vender vinho e seus derivados e a comida veio por acréscimo, porque na altura na taberna muita gente fazia ali a sua merenda. “Compravam na praça o peixe e as batatas e nós cozíamos e depois vendíamos o vinho, porque na altura não se podia vender comida”, recordou o proprietário. Posto isto e com algumas multas pelo caminho, Antero Feliciano começou a fazer os petiscos, com o tradicional peixe frito, o cachucho e as sardinhas com cebola, dobradas, cozidos e sopas, e o negócio começou a crescer.


Carlos Barroso – Jornal das Caldas


JOGO DA MALHA

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

O JORNAL PERSPECTIVA


Por ideia do Paulo Lemos que era o Presidente da Associação de Estudantes do Liceu e dinamizado pelo António Eduardo Marques (Dadinho) , criou-se em 1980 o jornal da AE com o nome de Perspectiva.

O jornal era impresso em stencil o que dava um trabalhão dos diabos e limitava bastante a tiragem.

O primeiro número, impresso em papel verde (?!), não me recordo porque motivo, foi uma edição de parede, sendo afixado na parede situada à esquerda da porta da associação de estudantes, no átrio do primeiro andar do liceu.

Foi nesse número que editei a minha primeira crónica e julgo que todos os demais tiveram aí as suas primeiras experiências literárias e artísticas publicadas.

A minha primeira crónica falava da necessidade de os estudantes do liceu, logo após as eleições para a A.E. se unirem em torno do que lhes era comum e fazerem do Liceu um lugar melhor e com actividades extra-curriculares interessantes e apelativas.

Já não possuo qualquer cópia desse texto o que é pena para ver que o meu discurso não mudou muito em trinta anos.

Julgo que ninguém terá um exemplar dessa primeira edição e tão pouco me recordo se chegou a ser distribuída. Provavelmente não, pois existindo uma edição pública de parede não faria sentido vender exemplares.

Já da segunda edição, a primeira efectivamente editada com o intuito de ser vendida aos alunos, possuo um exemplar que desconheço se é único entre os 400 que foram impressos.

É esse exemplar que digitalizei para que agora possa ser compartilhado por todos. Estejam à vontade para fazer cópias.

O jornal com o nr. 2 e referente a Abril/Maio de 1981 tinha como Director o Paulo Lemos e como redactor principal o António Eduardo e nele colaboraram o João Paulo Feliciano, hoje um dos mais prestigiados, talentosos e multifacetados homem da cultura nacional (ia para chamar-lhe artista mas há tantos ‘’artistas’’ por aí que poderia ser considerado depreciativo) e cujo currículo está hoje bem exposto no Google, a Leonor Nazaré, Nônô para os amigos, hoje Curadora da Fundação Calouste Gulbenkian com um papel muito importante na organização de exposições. O João Paulo, a Teresa Requeijo, o Rafael Chust que se deve lembrar bem daquela azáfama com a produção do jornal, o Pedro Penteado, a Ana Sá Lopes, a nossa ilustre jornalista, comentadora, colunista e escritora e que recentemente assumiu as funções de directora-adjunta do Jornal I depois de ter passado pelo Público e pelo Diário de Noticias. Colaboraram ainda o Sérgio Silva, o Zé Luis Silva, o Abel Campos, o João Paulo Neves (que também anda por aqui no facebook) e o Jorge Pereira para além de eu próprio. Alguns não vejo quase desde que terminei o liceu.

O Editorial, na página 2, assinado pelo Exmo. Senhor Presidente da Direcção da Associação de Estudantes, Paulo Lemos, expunha as dificuldades para criar uma sala de convívio no Liceu, sala esta que nunca chegou a existir durante todo o período de actividade do Liceu do Parque. Pensando bem, entre os três átrios (um por andar), as traseiras do Liceu e a parada e todo o Parque D. Carlos I (que privilegiados éramos!) zonas para conviver não nos faltavam!

Com o título ‘’Insólito’’, um artigo do José Luis Silva dissertava ao longo de duas páginas sobre vários enigmas da história, prometendo deixar para um próximo número a sua própria tese para a explicação dos vários mistérios.

Nas páginas 4 e 5, o António Eduardo desenvolvia um artigo sobre o Space Shuttle que estava pronto a partir na sua missão, questionando a validade de um projecto que só servia para entrar em órbita da Terra.

Compartilhando a página 5 e estendendo-se por toda a página 6, a minha coluna Triangulum apresentava a minha segunda crónica intitulada ‘’O Dinossauro’’ onde dissertava sobre a geopolítica mundial. Uma obra-prima! (Mas relembrava a Gabriela Schaff! Lembram-se?)

As páginas 7 e 8 descrevia uma visita de estudo a Lisboa ao Museu de Arte Antiga, á Fundação Calouste Gulbenkian e finalmente ao Teatro ‘’A Barraca’’ para assistir a uma peça de Gil Vicente com Maria do Céu Guerra e Orlando Costa. A autoria do artigo era compartilhada pela Paula Perista e pela Ana Sá Lopes (provavelmente o primeiro de muitos que admiramos nas páginas dos nossos principais matutinos).

Ainda na página 8, Pedro Penteado apresentava uma versão humorística e muito ficcionada da vida de Camões.

Nas páginas 10 e 11 Abel Campos fazia a crónica da excursão de finalistas a Benidorm de 1981 (uns anjinhos comparados com a nossa a Torremolinos em 1980!) e era acompanhado ainda na página 11 por uma outra crónica intitulada ‘’As Indignações do Olimpo’’ assinada por M.T. (Teresa Requeijo?) e questionando o debate sobre a educação decorrido na Assembleia da República. Nesta última página anunciava-se ainda a organização de um concurso de desenho, um concurso de fotografia e uma feira do disco usado.

A página 12 abria com um problema matemático apresentado por Sérgio Silva (não, não era o Pica que ainda era muito novinho para estas coisas!) e continuava pela página 13 e 14 com um artigo do António Eduardo intitulado ‘’Com a faca…mas sem o queijo’’ sobre política mundial e a recente eleição do presidente Ronald Reagan.

O António Eduardo, com prerrogativa de redactor principal, ocupava a página 15 com um texto seu com o título sugestivo ‘’Bum’’ numa coluna com o nome de Criar (te). João Paulo Neves escrevia um pequeno poema na borda da página. O título era ‘’O Aborto do Planeta Terra’’ (sic)

Na página 16 João Paulo Feliciano ensinava o que era um soneto e apresentava dois da sua autoria. A página concluía-se com um novo texto de Abel Campos.

Leonor Nazaré, a Nônô, apresentava um poema sem título na página 17. Tem agora aqui uma excelente oportunidade para desenvolver a sua crítica literária a uma jovem poetisa de 16 anos.

São da autoria do João Paulo Feliciano as ilustrações do jornal e particularmente interessantes as que acompanhavam as novidades livreiras na página 18.

A página 19 continha a secção Lazer com apresentação das novidades discográficas e dos filmes em cartaz no Estúdio Um. Dos discos editados retemos os Tantra e os Taxi entre outros. No cinema apresentava-se entre outros, ‘’O Meu Tio da América’’ de Alain Resnais, ‘’Glória’’ de John Cassavetes e ‘’Lagoa Azul’’ com Brooke Shields.

Quase a terminar a página 20 apresentava por Amador Fernandes, o Núcleo de Investigação e Divulgação Científica do Liceu.

Finalmente na última página, inexplicavelmente uma página impar, sobrando uma página em branco (faltou um artigo Dadinho?), a secção Passatempos e Curiosidades da responsabilidade do nosso brasuca Rafael Chust.

Não me recordo se o Perspectiva conheceu uma terceira edição. Não certamente nesse ano lectivo. Os outros que compartilham este espaço connosco o dirão.

A elaboração e produção do jornal deu muito trabalho e lembro-me das dificuldades que o Paulo e o Dadinho tiveram em passa-lo ao stencil. Mas voltando agora atrás no tempo valeu a pena esse esforço pelo momentos de convívio que nos possibilitaram e que reforçaram a nossa amizade.

Este exemplar que guardo com carinho e que agora disponibilizo a todos é um testemunho dessa amizade que guardamos.



Gabriela Schaff - Eu Só Quero

Nota: Entretanto o Luis Lamy esclareceu-me que houve, pelo menos, outros dois jornais editados por alunos do Liceu do Parque através da Associação, mais ou menos na época da ocupação do Liceu pelos alunos em 1975: "O Caveira" e o "Retrete Do Opressor".

Comentário do António Eduardo Marques: Eh pá... O Perspectiva! Meu Deus, há quanto tempo...

Algumas pérolas:

1. O papel verde não foi escolhido. Foi alguém (que já não me lembro quem) que nos ofereceu o papel - era o que havia e a cavalo dado... O papel era a maior despesa do jornal e a DAE andava sempre à procura de quem o poderia oferecer.

2. O nome Perspectiva foi uma palavra escolhida ao acaso do Dicionário. Eu, o Lemos e o JPF arranjámos um dicionário, abrimos uma página ao calhas e foi a primeira palavra gira que encontrámos. Na verdade, acho que foi à segunda tentativa, pois na primeira página aberta não sauiu nada de jeito...

3. O Jornal de parede era uma entidade à parte. Uma forma de manter o pessoal informado com periodicidade semanal ou quinzenal e que funcionava entre as edições (mensais, ou quando calhava) do Perspectiva.

4. Houve uma edição (várias na verdade) feita sobretudo por mim e pelo João Paulo Feliciano, chamada Peerspectiva Musical, que era como o nome indica, sobre música. Na altura (só na altura?) eramos todos fanáticos por música e o PM foi muito influenciado por um jornal que saiu na altura e que se chamava RockWeek.

5. Sairam pelo menos duas edições do Perspectiva Musical, uma delas incluindo uma entrevista feita na Pink Panther, em S.M. do Porto, por mim e pelo JPF, aos Street Kids, que foram lá actuar.

6. Sairam várias edições do Perpectiva, pelo menos umas 4 ou 5. As últimas tinham um logótipo diferente, mais elegante. As últimas edições já eram bastante mais sofisticadas, pois entretanto havia uma coisa chamada "stencil electrónico" que, ao contrário do convencional, permitia a impressão de fotografias.