segunda-feira, 5 de julho de 2010

A CAMINHO DA ADOLESCÊNCIA - O PRIMEIRO SOTÃO DO KIKO


No segundo prédio à esquerda de quem sobe a Rua do Parque, a que nós chamávamos naquele tempo a Rua dos Burros, devido ao elevado número de estrebarias que existiam nessa rua, em áreas agora ocupadas pelas lojas de Móveis Ferreira, ficava o primeiro sótão do Kiko.

Ao contrário do que muitos da minha geração supõem, o Kiko teve dois sótãos distintos, cada um num prédio da família.

A família materna do Kiko (Francisco Miguel) Pessoa e Costa, os Machado, tinha grandes raízes nas Caldas e era proprietária de vários prédios na Rua do Parque e na Rua de Camões, o nome da Pastelaria Machado deriva do facto de ter sido um seu familiar o primeiro proprietário da provavelmente mais conhecida pastelaria caldense.

O avô materno do Kiko, vivia na linda casa que existia então na esquina da Rua de Camões com a Rua do Parque, à entrada tinha um bonito portão de ferro que dava para um pequeno pátio onde cresciam seculares buganvílias roxas que davam uma cor pitoresca àquele ponto da rua, depois subia-se umas escadinhas de poucos degraus para a porta principal. Julgo que por altura do primeiro sótão, esta casa estava dividida em duas fracções vivendo no piso de baixo a avó materna da Bibú e da Vani Castro.

Seria nessa casa de esquina, onde mais tarde foi a sede do Partido Socialista, que o Kiko criou o segundo sótão por onde muitos passaram na sua adolescência.

Mas desse sótão nos ocuparemos numa outra crónica. Para esta o que interessa é contar as aventuras do primeiro sótão.

O Kiko vivia em Lisboa, na Rua Santana à Lapa, só mais tarde se mudou para Carcavelos, mas todos os fins de semana, fosse Inverno ou Verão, vinha para as Caldas com os seus pais e os seus dois irmãos mais velhos. Claro que as férias escolares também eram passadas nas Caldas.

À espera da família tinham a dedicada e amiga Amélia que tratava da lida da casa e muito ajudou na criação do Kiko. Recordo-me de ir almoçar e passar uma tarde na casa da Amélia, no Bairro da Ponte e ver o seu pai ou marido, não me recordo bem de qual, a utilizar um pequeno pião para fazer o Totobola. O pião tinha quatro faces, como um cubo com uma pequena pega em cima e um ponteiro em baixo, uma das faces estava em branco ou tinha um qualquer logótipo, mas a outras três faces tinham os três símbolos do Totobola, ou um 1 ou um X ou um 2. O senhor punha o pião a girar e conforme o lado que ficava para cima quando o pião tombava, era colocado o respectivo símbolo no boletim do Totobola. Não sei se o fazia para todos os jogos ou apenas para aqueles que lhe ofereciam dúvidas. Nós olhávamos maravilhados para aquele sistema que desconhecíamos e aguardávamos que nos fosse oferecida a possibilidade de fazer rodar por uma vez o pião. Era muito engraçado!

Eu julgo que foi desta convivência com a Amélia e das suas refeições e estadias em casa desta que nasceu a amizade do Kiko com aqueles rapazes do Bairro da Ponte que deram origem a uma renovada SAPEC-BX (esta já existia há muitas décadas constituída por outras gerações) e que culminou com a criação do segundo sótão que foi um local de convívio partilhado quer por estes seus novos amigos quer pelos seus amigos de infância do tempo do Casino e que criaram o Sotão dos Crespos.

Voltemos ao Sótão do Kiko. O prédio onde se situava o primeiro sótão, era como referi, o segundo do lado esquerdo de quem começa a subida da rua vindo do lado do parque. Na realidade era por aí que geralmente vínhamos, pois os encontros eram invariavelmente feitos no Casino e daí saíamos pelo primeiro portão à direita, mesmo diante da casa do seu avô.

É inútil procurarem hoje por esses dois prédios pois foram vendidos e demolidos em bloco para dar origem a um novo edifício. E com isso se perderam duas casas lindas e pitorescas que embelezariam as nossas Ruas de Camões e do Parque.

Na casa do Kiko entrava-se por uma estreita porta e deparava-se-nos de imediato umas escadas íngremes que davam para um corredor, as primeiras duas portas, à direita e à esquerda conduziam a salas.

Era por este corredor e nestas salas que eu e o Kiko fazíamos intermináveis corridas de automóveis em circuitos delineados com lápis de cor alinhados em fila indiana.

O Kiko tinha uma colecção de carrinhos bem melhor do que a minha, na sua maioria eram modelos da Norev (a Solido só apareceria uns tempos depois!) à escala 1/43 e comprados no Turita, enquanto os meus carros eram da Matchbox ou da Majorette à escala 1/72 comprados na Tália e na Átila. Recordo-me do meu orgulho quando apareci com os primeiros dois carros da Corgi Toys, então à escala 1/43, comprados naquela grande loja que vendia também kits de modelismo e aparelhos de pesca e que ficava diante da Farmácia Freitas, na Rua da Liberdade. Eram o Yardley-MacLaren M19 do Denny Hulme e o JPS-Lotus 72 do Emerson Fittipaldi, ambos do Campeonato do Mundo de F1 de 1971, mais tarde o João Gancho haveria de me dar o seu Oxo- Surtees TS9A do mesmo campeonato.


Os carros do Kiko eram mais pesados e rodavam menos que os meus levezinhos da Matchbox mas estes eram incontroláveis e invariavelmente despistavam-se nas curvas mais apertadas dos circuitos.

Estas corridas duravam dias e os carros tinham de ficar na mesma posição de um dia para o outro, fazendo com que toda a família tivesse que ter muito cuidado onde punham os pés enquanto caminhavam pela casa!

Então, a pedido da Zé, mãe do Kiko, passámos o nosso campeonato para o Sotão.

O já falado corredor desembocava na cozinha e à esquerda, dentro da cozinha, ao lado da grande chaminé do fogão, abria-se uma porta que dava para as estreitas escadas de madeira que conduziam ao sótão.

Este era esconso nas extremidades, embora sempre com um grande pé direito, tinha uma divisão junto às escadas mas de resto era amplo e recheado de mobílias e de quadros e retratos antigos. Um desses retratos iria servir-nos de inspiração mais tarde!

A nossa primeira utilização para o sótão foram as ditas corridas de carrinhos e alguns jogos que dariam origem mais tarde aos Jogos Olímpicos do Casino, organizados pelo Kiko e que consistiam em jogos de salão disputados no sotão, jogos de laranjinha e tiro com arco disputados no jardim do Casino, jogos de ténis e de ping-pong realizados no parque, corridas a pé na versão curta (do casino ao coreto, dando a volta e regressando), média (volta ao lago com partida e chegada no casino) e longa (volta ao parque com partida do casino pela aldeia dos macacos até ao ténis, correndo sempre junto aos muros em direcção ao parque de campismo, passando por trás do museu em direcção ao portão que dá para a Bordallo Pinheiro, tornando pelo palmeiral, por trás da casa dos guardas, passando o Salão Ibéria e seguindo em frente de novo em direcção ao Casino). Realizavam-se ainda corridas de bicicleta no recinto das bicicletas (onde se alugavam bicicletas que vinham daquela oficina que ficava na Rua de Camões) e mais umas provas na praia (prego, ring, badminton, etc. - Tudo menos natação porque o Kiko não sabia nadar e as provas eram sempre à sua medida!).

Com o passar do tempo haveríamos de dar um novo uso ao Sotão. Em 1969 os três irmãos Barreiros, do Porto, formaram com um amigo um conjunto chamado Mini-Pop. Actuaram em 1971 em Vilar de Mouros e em 1973 participaram no Festival da Canção. Tinham na altura da sua formação entre 7 e 11 anos. Gravaram dois singles e o seu maior sucesso foi uma versão de "A Casa" (Era Uma Casa Muito Engraçada), julgo que da Pandilla. Mais tarde, já crescidinhos haveriam de formar os Jáfumega!

Claro que ficámos fãs dos Mini-Pop e decidimos formar nós próprios um grupo musical. Os Mini-Glow, a verdade é que nos chamávamos Mini-Glo mas como isso não quer dizer nada, eu agora fiz a devida correcção! Era constituído, na maioria das vezes por mim, o Kiko, o Diogo, o João Gancho, o Ricardo Ramos (Geada ou Rato conforme as estações do ano!), o Jaime e no Verão pelo Pedro e o Miguel Calisto.

Não percebíamos nada de música nem tínhamos instrumentos mas há boa maneira de alguns grupos vocais que ouvíamos na rádio ou no programa Dó-Lá-Si aos sábados à tarde, tocávamos com as vozes.

Arranjámos alguns instrumentos para o karaoke. Eu tinha uma viola de brincar comprada ainda nos Armazéns do Chiado que ficavam ao fundo da Praça onde agora fica o Banco Millenium, arranjámos umas pandeiretas com desenhos de dançarina minhota numa loja da praça, umas gaitas compradas na feira da mata e construímos o nosso instrumento preferido, uma bateria! Era constituída por vários tambores de cartão de detergentes Skip e Renamatic e a fazer de pratos tínhamos umas latas de bolachas litografadas em latão!

O Kiko era simultaneamente baterista e vocalista (o microfone era o cabo de uma vassoura!), prerrogativas do dono da casa!

Passávamos as tardes a ensaiar e nos intervalos, entre refrescos Dawa e bolachas Maria, desfrutávamos da leitura das revistas Photo e (o mais ousado para a época) Oui! gamadas à socapa ao Zé Pedro e ao João Luis, irmãos do Kiko.

Cantávamos covers como o Closorais, versão de quem não sabe falar inglês do All My Loving dos Beatles! (ouçam-na e depois percebem porquê!), do My Bonnie e de outras músicas que ouvíamos então nas matines do casino cantadas pelos Xaranga Beat.

Contudo o cover mais tocado era o grande clássico:

São pipocas ao almoço
São pipocas ao jantar
Mas o raio das pipocas
Não há meio de acabar!

Algum tempo depois o nosso John Lennon/Ringo Starr apareceu com umas letras e finalmente começámos a ter alguns originais. Bem, meio originais já que a música vinha sempre de qualquer lado!

Ora experimentem este grande clássico dos Mini-Glo com a música do anúncio da Laranjina C que está algures por aí arquivado no nosso blog:

Uma pomba caiu do céu
Vinha a cantar e a dançar
Vinha a brincar com um papel
Um papel para embalar

A crítica social também não nos escapava e o objecto de todas as nossas partidas era o pobre do contínuo do Casino que teve de nos aturar durante anos a fio, o Sr. José Solteiro.

Solteiro mas casado
Pela terceira vez
Da primeira viúvo
Da segunda divorciado
Será que há terceira é de vez?


Algum tempo depois a música já não era bastante para nós e decidimo-nos a criar uma companhia de teatro. A propósito de um retrato de uma antepassada do Kiko que estava jogado a um canto do Sotão, criámos a peça ‘’O Espirito da Ti Jaquina’’, que metia uma fantasma e uma família e que conhecia uma nova versão todos os dias. Lembro-me que com o João Gancho e com o Jaime era completamente impossível de ensaiar e representar porque nos escangalhávamos a rir com as suas caretas e as suas deixas!

Por onde andará o Jaime? Estive anos sem o ver e de repente em 1998 olho para a televisão quando estava a passar uma reportagem da inauguração da Expo e reconheço-o vestido de Drag Queen cheio de lantejoulas e com um turbante com plumas roxas e violetas! Com aquele falar sissiado característico e agora com mais maneirismos, fazia uma peixeirada de todo o tamanho com a repórter, dizendo que tinha vindo de propósito da Suiça para fazer uma performance na Expo mas que estava tudo mal organizado e que assim o país não andava! Querido Jaime, antes este país de afectos que toda a organização da Suiça!

Quando enfim nos sentíamos preparados para o grande público fazíamos sessões para toda a troupe do Casino e lá vinham assistir , os primos Azevedo e Castro, a Ritinha, o Mário Filipe, a Filipa, a Mafalda e o Luis, os Calistos, a Luisa, a Ana Margarida, a Teresa e a Patricia que os outros eram muito pequenos, os titos, o Chico, o Toni e o João, a Mana Inês, os Moreiras, o João, o Marcos e a Isabel, a Carla Correia Mendes, a Guida Sousa, a Isabel Ramos Coelho, a Lúcia, o Zé Miguel, a Guida e a Graça, a Susana Ramos, a Kika Gancho e as minhas irmãs, e muitos outros, até a Debbie veio um dia, mas a Debbie e a família da Debbie dão uma outra crónica!

Foram tardes e tardes felizes e divertidas e o mais importante é que na grande maioria mantemos todos a amizade e o contacto.

Falta o Kiko que hoje pouco vem às Caldas…

e a Debbie…

e o Jaime!

Por onde andará o Jaime?! Drag Queen, Jaime?! Francamente, o que a Ti Jaquina diria?!!!



Ao Kiko, ao Jaime, ao Diogo e à Debbie, a todos os meus amigos de infância!


Kiko, Pedro Caiado, João Gancho, Paulo Caiado, Ruben Caiado

Joan Baez - Forever Young


OS MINI-POP



O conjunto Mini-Pop, composto por 4 elementos, de idades compreendidas entre os 7 e os 11 anos de idade, formou-se no ano de 1969. O grupo dos irmãos Barreiros (Pedro, Mário e Eugénio)e do amigo Abílio foi dinamizado pelo Pai Mário Barreiros.

Gravaram dois singles para a editora Zip-Zip. O maior sucesso foi uma versão de "A Casa" (Era Uma Casa Muito Engraçada).

Ao vivo o repertório do grupo nunca foi tão comercial como em disco. Actuaram com bastante sucesso no Festival de Vilar de Mouros de 1971.

Passaram para a Movieplay onde gravaram um primeiro single com os temas "Delta Queen" e "Beggars Can't Be Choosers".

Participaram depois no Festival RTP da Canção de 1973 com "Menina de Luto".

Lançaram o single "Days Of Summer/Vaya Con Dios". Gravaram novo single, "My Holiday Girl", com temas de Paulo de Carvalho e Mike Britton.

Durante 10 anos de carreira gravaram sete singles e participaram em cerca de 300 espectáculos. Também tentaram entrar em Espanha como "Tanga", o nome escolhido para a internacionalização.

Após o fim do grupo transformaram-se nos Jafumega, uma das bandas que marcou a década de 80 em termos musicais.


1 comentário:

Márcio disse...

sabe dizer-me onde posso encontrar essa musica das pipocas? obrigado :)