domingo, 2 de maio de 2010

BALLET


Acho que o Paulo tem sido brilhante nas suas exposições, ou “estórias”. Graças a estas, tenho reavivado a memória, e são muitas e bonitas as lembranças destas duas décadas.

Mas talvez correndo o risco de ser tendenciosa atendendo ao género (neste caso feminino), não posso deixar de referir aqui o extraordinário papel que a Casa da Cultura teve na minha vida, nomeadamente pelo ensino e divulgação da dança.

Fomos muitas, e alguns. Éramos as alunas do Ballet, guiadas e ensinadas pelo Prof. José Correia, que teve um papel importantíssimo na nossa formação artística e humana. Nas memórias das antigas alunas, o Zé Correia ocupa um lugar de destaque. Ensinou-nos a dançar, mas também a noção do brio, da perseverança e do orgulho. Também ensinou a humildade, mas a humildade educada, não a da subjugação.

Em 1975, ano em que entrei para o Ballet, o “dress code” era o preto total. Parecíamos pequenas baratas ou formigas e eu lembro-me de achar o salão onde a aula era dada absolutamente assustador. Tinha 5 anos. A verdade é que era lindo. A Casa da Cultura era linda, com aqueles tectos trabalhados e aqueles salões tão vividos de memoráveis festas.

Mais tarde tivemos direito a uma nova sala de aula, onde tudo brilhava, desde o chão de madeira clara de tábua corrida, às barras no mesmo tom e aos espelhos imensos colocados a todo o comprimento de uma parede.

Nessa altura já não tínhamos de nos vestir de preto total e competíamos numa profusão de cores e malhas ao bom estilo “Fame”.
Encomendávamos os fatos numa loja pequenina, na Rua Heróis da Grande Guerra e era uma emoção quando íamos comprar as sapatilhas, ou os “maillots”.

Quem andou e gostou de andar no Ballet, nunca esquecerá o cheiro a couro de umas sapatilhas novas onde depois cosíamos as fitas de cetim a combinar com a cor das mesmas.

Desses tempos, o Grupo de Bailado, os ensaios exigentes, os espectáculos nos Pimpões e os nervos, meu Deus, os nervos…

Nos meus 9 anos de aprendizagem vi formarem-se boas bailarinas e excelentes mulheres, e aqui tenho de referir a Élia Parreira, colega e amiga, dona de uma alegria e generosidade sem fim, entre tantas outras (e também alguns). Algumas são hoje professoras de Ballet, como a Cláudia Finote, a Vanda Nogueira e a Isabel – estas últimas nos Pimpões. Outras foram mesmo bailarinas, aqui e no estrangeiro, mas a memória atraiçoa-me para os nomes.

Era bom que “aparecessem” por aqui… E fotografias, também!

Também não posso deixar de sorrir sempre que me lembro que ao lado da Casa da Cultura havia o pavilhão do Karaté (ou seria Judo?), cujas aulas eram da responsabilidade do Prof. Coutinho. Quantas vezes os pupilos deste não nos faziam esperas no pequeno largo (sim, Pedro Vila, eras um deles) e quantos “responsos” não ouvi por chegar tarde a casa…

Bem, a verdade é que em 70 e 80 a cidade fervilhava de actividade desportiva, artística e cultural.
A Casa da Cultura era uma “Casa” numa Cidade onde a Cultura era vivida.

Quase todos nós praticamos mais que uma actividade desportiva, e tivemos acesso a tantas outras a um custo praticamente zero para os nossos pais. Era só escolher!
Os “responsáveis” pela cidade à época, souberam cuidar dos interesses das crianças e jovens e a verdade é que quase todos o souberam e quiseram aproveitar.

Estas duas décadas, 70 e 80, foram o brilho que depois faltou nas outras duas que se seguiram e que agora (parece-me) está a ressurgir. Não importa quantas rotundas e fontes a mais. Importa agora que ressurja.


(post da Cecilia (Sissi) Martinho)






A Casa da Cultura teve um papel muito relevante para a formação cultural de uma geração, substituindo-se de forma épica à própria Câmara e institutos governamentais a quem competiria essa responsabilidade.

Nascida sob o estigma de utilizar o velho Casino que tão entrosado estava na vida da cidade, a Casa da Cultura nunca conseguiu livrar-se dessa marca que a condenou a ser de forma involuntária uma fonte de divisão da sociedade caldense e por isso mesmo não vendo reconhecido o seu extraordinário papel para o desenvolvimento da cultura caldense. Ficámos todos a perder, ficámos todos mais pobres.

Foram aqui criadas as raízes do Teatro da Rainha e doutras artes cénicas como o teatro de marionetas. Foram igualmente desenvolvidas actividades nas áreas desportivas e circenses.

Foi contudo no ensino da dança clássica e sobretudo no ballet que a Casa da Cultura mais se notabilizou com o trabalho do Prof. José Correia a colmatar a lacuna deixada pelo fim das aulas da conceituada Profª Isabel Affonseca no ginásio do Ramalho Ortigão.

Já numa crónica anterior falámos de António Rodrigues a propósito da natação. José Correia merece igualmente um destaque e de ser devidamente reconhecido na formação de uma geração. Obrigado Sissi por o teres lembrado.


PC


in Gazeta das Caldas 23.01.2003 - Suplemento ''A Dança nas Caldas da Rainha''








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