domingo, 27 de junho de 2010

A CAMINHO DA ADOLESCÊNCIA - A RESISTÊNCIA


Nas tardes cálidas da Primavera ou do Verão, quando ainda não tínhamos permissão para irmos sozinhos para a praia, repartíamos o tempo entre o ténis e as brincadeiras em casa dos amigos.


Um dos locais predilectos era a casa do Pedro e do Ricardo Ferreira.

Nas traseiras da casa estendia-se encosta acima, num espaço agora ocupado por um estacionamento ao lado do mercado do peixe e pela Rua Leonel Sottomayor, um vasto pomar com uma enorme variedade de árvores de fruto.

Na primeira parte do pomar fora construído um carreiro de cimento, ladeado por pequenos muros que conduzia a uns arrumos e a um poço. Nesta primeira área cresciam sobretudo limoeiros e laranjeiras.

A partir daí as árvores cresciam em campo aberto e aumentava a variedade de árvores: pereiras, macieiras, marmeleiros, figueiras e nespereiras.

Eram longas tardes (e algumas manhãs) bem passadas, imaginando mil aventuras e intercaladas com um lanche que a mãe Letinha nos preparava mas ao qual fazíamos sempre um upgrade. Nas tradicionais vianinhas dos Teixeira com aquela manteiga da Ucal comprada em frente do Montepio, juntávamos à socapa açúcar e canela em doses cavalares! Por outro lado a abundância de fruta ao nosso alcance ia-nos alimentando por todo o dia esquecendo-nos das horas das refeições.

Para mim as tardes aí passadas eram um duplo divertimento. Estávamos no segundo ano do ciclo e a minha namoradinha de então era uma menina linda, alva, com um rosto a fazer lembrar as actrizes do cinema mudo. A sua graça era Madalena.

A menina vivia com os avós que eram conservadores e muito rígidos quanto a costumes. Assim a garota mal saía da Escola Comercial tinha que se dirigir directamente a casa que ficava no Beco vizinho ao pomar dos Ferreira.

Eu então trepava pelos muros e pelos telhados e conseguia vê-la pela janela que dava para um pequeno pátio interior. Mas o temor da donzela era tanto que apenas me acenava e sorria nunca ousando abrir a janela para me falar. Nem um namoro à anos 50 me era permitido!

Numa dessas tardes de Verão, provavelmente a um sábado, provavelmente após termos visto mais um episódio dos Pequenos Vagabundos, o Kiko lembrou-se que poderíamos criar um clube semelhante aos pequenos vagabundos. Com a sua organização habitual (era ele que criara os jogos olímpicos do casino – só com modalidades que dominava! - e registava os resultados) lavrou os estatutos do clube num caderno de folhas pautadas.

Proibido miúdas!

Era praticamente o único articulado do estatuto do clube. Uma coisa muito revista do Bolinha!

Decidimos então estabelecer o nosso quartel-general e o local escolhido foi no alto de uma nespereira com um aspecto sólido.

Na altura seria eu, o Pedro e o Ricardo Ferreira, o Kiko, o João Gancho, e o Quim Franco. Mais tarde outros se juntaram.

O Pedro que era muito talentoso com os trabalhos oficinais, construiu uma plataforma a meia altura da árvore num ponto de divergência dos ramos e nos dias restantes entretemo-nos a inventar e construir armadilhas para enfrentarmos um inimigo invasor… que nunca veio!

E ainda bem, a quantidade de bancos, pneus, tábuas e outros artefactos que lhe cairiam em cima seria de levá-los ao hospital.

Até armadilhas com cordas dispusemos no chão por forma a que se alguém as pisasse fosse elevado pelos ares e aí ficasse a fazer o pino até que alguém o soltasse!

Logo no primeiro dia, o Kiko lembrou-se que seria necessário estabelecer uma caixa de fundos nomeando o Quim como responsável e o nosso primeiro acto de gestão foi juntar 7$50 (cada um deu 1$50 excepto o Astérix que era muito novo!) para comprar um estojo de primeiros socorros. Podem já imaginar o que antecipávamos!

Mas era necessário dar um nome ao clube e este veio pela lembrança de uma série de televisão que dava na altura, a Resistência.

E o clube foi baptizado de Resistência. O Pedro correu a casa e trouxe um pano do pó laranja no qual pintámos a marcador preto um enorme R. O pano foi hasteado no alto da nespereira e o forte da Resistência foi oficialmente inaugurado.

Durante meses a fio preparámos para enfrentar um inimigo invisível e todos os dias surgiam ideias para novas armadilhas.

Para além do tempo que passávamos na cavaqueira e a ler banda desenhada, o nosso maior hobby era tentar que algum dos outros caísse numa das armadilhas ou, melhor ainda, que levasse com uma delas em cima!

Afinal, tínhamos que dar uso ao estojo de primeiros socorros!

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