quarta-feira, 2 de junho de 2010

A MANJEDOURA



Ainda antes de aparecer o sótão do Kiko (Pessoa e Costa) que marcou a união entre os dois grupos, a Manjedoura rivalizava com o sótão dos Crespos em animação.

Enquanto o sótão era mais frequentado pelos denominados betinhos ou queques ou copos de leite (éramos uma autêntica pastelaria!) do Liceu e pelos amigos que vinham de fim de semana ou de férias, a Manjedoura enchia-se de malta da Bordalo Pinheiro e sobretudo do Bairro da Ponte.

(na realidade o sótão do Kiko já era o seu segundo sótão, pois o primeiro ficava no prédio acima que também pertencia à família, mas as estórias desse primeiro sótão ficam para outra oportunidade.)

A fama do Sotão dos Crespos extravasara as Caldas mas era nas duas escolas (Comercial e Liceu) que se relatavam os acontecimentos das últimas matinés enchendo de orgulho quem tinha estado presente e de tristeza quem não o pudera fazer.

Pouco tempo após a abertura do Sotão um grupo de estudantes de ambas as escolas na sua maioria residentes no Bairro da Ponte, decidiu abrir o seu próprio espaço de diversão para os jovens adolescentes que ainda não podiam frequentar as discotecas locais. No fundo o mesmo motivo que levara à abertura do Sotão.

O local escolhido foi uma antiga estrebaria ou manjedoura situada no número 1 da Rua das Vacarias, perto da Praça do Peixe e daí o seu nome A Manjedoura.

Era um ambiente igualmente fantástico e tenho boas recordações dos tempos do Nuno, do Chico e de tantos outros.

Infelizmente, sendo eu tido como um dos betinhos do Sotão não tenho tantas estórias para contar da Manjedoura e passo esse testemunho a outro que certamente se encontrará entre vós.

Quando a Manjedoura abriu, a sua fama rivalizou de imediato com a do Sotão e tornaram-se a marca distintiva dos dois grupos que se formaram entre as duas escolas. Na realidade já existia uma grande rivalidade entre os alunos da Escola e os do Liceu e de certa forma entre os alunos do centro da cidade e os dos Bairros da Ponte e Arneiros e zonas limitrofes que iam quase até à Praça do Peixe.

A rivalidade marcada quase impedia os namoros de casais pertencentes a ambas facções e por pouco as Caldas não rivalizava com Nova Iorque e o seu West Side Story ou com Verona e o seu Romeu e Julieta ou se quisermos uma analogia cinematográfica mais contemporânea, a Califórnia e o seu Grease ou Chicago e o seu Streets of Fire!

No meio destas divisões algumas amizades mantinham-se inquebrantáveis.

Um dia o rumor começou a correr pelo liceu como uma vaga em crescendo. A Manjedoura não só ia fazer uma grande festa como o seu grupo tinha mandado imprimir convites. Verdadeiros convites daqueles só utilizados pelas grandes instituições e impressos em tipografia (longe ainda vinham os tempos dos convites para Festas de Aniversário à venda nos supermercados e papelarias!).

- Ok rapazes! – Dissemos nós ‘’os do Sotão’’. – Desta vez fomos ultrapassados! Eles ganharam-nos!

Rapazes e raparigas ficaram em expectativa na ânsia de receber um dos almejados convites. Não houve propriamento uma guerra pela posse do cartãozinho mas houve certamente alguma falsa desdenha.

Numa tarde surgem-me diante de mim, no corredor do piso de entrada, o Chico Zé e o Nuno Aleixo e entregam-me o famoso convite.

- Gostaríamos muito que viesses! – Disse-me o Nuno pondo-me a mão no ombro. O bom do Chico Zé, grande como um urso, limitou-se a sorrir e a acenar a cabeça em sinal de concordância.

Eu olhei para o convite, era feito em cartolina preta canelada e abria-se em dois. As palavras Convite e Manjedoura em letras prateadas... E fiquei sem o que dizer!

Eu, um dos betinhos do Sotão, estava a ser convidado para uma festa do outro grupo!Claro que vou! Yupee! Os outros vão-se babar de raiva!

Guardei esse convite durante anos e sei que algures dentro dos inúmeros caixotes, que teimo em guardar com papelada e revistas de dois séculos, se encontra o mágico cartãozinho.

A festa foi tudo o que antecipara. No Sotão partilhávamos os convivos com as amigas de sempre, amigas de infância e só de quando em vez nos aparecia a amiga da amiga para refrescar a paisagem! Namoros eram quase proibidos, parecia que estávamos a namorar as nossas primas!

Ali, na Manjedoura, eram caras novas, raparigas lindas que eu só podia admirar de vista e à distância (entre as quais a Silvia, uma pirralha lindisssima que era só a irmã mais nova do Nuno!), raparigas sem amigos em comum que me pudessem apresentar e que finalmente eu tinha agora a possibilidade de conhecer, de flirtar e quem sabe de namorar. Rapazes que pela ausência de um relacionamento directo preconcebíamos ideias erradas a respeito e com quem encetávamos agora uma nova amizade.

Foi uma tarde de descoberta, novos rostos, novas amizades, novos temas de conversa. No inicio só a música e alguns amigos nos unia mas naquele fim de tarde, caminhando de regresso ao Burlão, era como se metade das Caldas, a metade que não conhecia, tivesse sido finalmente aberta para mim! Grande Nuno e grande Chico!



Os anos passaram. O Nuno foi por momentos engolido pelo turbilhão da vida mas lutou, resistiu e subiu à tona. Hoje é um enorme testemunho de vida. http://www.nodrugs.me/A sua associação Canguru ajudará certamente a que outros possam aprender a nadar entre as vagas e os escolhos que esta vida nos traz.

E Nuno, se quiseres seguir o caminho da vida comigo, não preciso que me digas de onde vens, antes que me digas para onde vais!


No passado dia 15 de Maio, Dia da Cidade, o Chico Zé (Leal Ferreira) foi distinguido com a Medalha de Mérito Municipal pelo seu trabalho em prol da natação caldense como Vice-Presidente dos Pimpões e seccionista do departamento de natação e como vice-presidente da Assembleia Geral da Associação Distrital de Natação.

No mesmo dia outros dois amigos da minha geração foram igualmente distinguidos.

O Vitor Marques pela sua actividade empresarial como geradora de emprego para a cidade, e pelo seu papel de dirigente do Caldas Sport Clube onde desempenhou vários cargos na área de formação e na área dita profissional, sendo actualmente o seu Presidente. O Vitor foi reconhecido como um exemplo de liderança e Fair-Play.

O Carlos José (Cá-Zé) Costa Faro pela excelência do seu trabalho na área da investigação e do ensino cientifico. O seu espantoso curriculo internacional fala por si.


Ao longo dos últimos anos são felizmente muitos os meus amigos que vêem o seu trabalho profissional, artistico, cultural, em prol da comunidade e até por actos heroicos (grande Albano!), reconhecido quer pelo nosso Municipio quer por outras entidades nacionais.

E de cada vez que um meu amigo é desta forma distinguido, é um enorme orgulho que se apossa de mim como se fizessem parte da minha familia, da minha casa!

São também estes os momentos que importa recordar.





"- Gostas assim de passear em nosso carro?
- Ele também é meu?
- Tudo que é meu é teu. Como dois grandes amigos.
Fiquei delirante. Ah se eu pudesse contar a todo mundo que era meio dono do carro mais bonito do mundo."


José Mauro de Vasconcelos – O Meu Pé de Laranja Lima





Streets of Fire - No where fast

1 comentário:

Célia CS disse...

Eu também!
Fui à Manjedoura, estava no Piscis, sobrevivi a viagem a Torremolinos 1979... E claro, dancei todas as noites durante uma semana no Pipers!
Pessoal da Bordalo Pinheiro que foi a Torremolinos, onde estao? Céu, Vítor, e todos os outros?

Célia